Oxigênio

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Mélanie Laurent perde o ar no thriller "Oxigênio", na Netflix

Oxigênio é um inteligente exemplo criativo de como fazer um filme dentro dos protocolos estritos impostos pela pandemia do coronavírus. O thriller de confinamento funciona como um Enterrado Vivo numa cápsula criogênica: é uma ficção científica sobre sobrevivência centrada em um único personagem (Mélanie Laurent, a Shosanna, de Bastardos Inglórios) presa em uma câmara criogênica semelhante a um caixão, com reservas criticamente baixas de ar respirável. A “bioforma”, como é chamada, desperta antes do previsto, sem memória, preza em algum tipo de projeto futurístico, com apenas um computador falante semelhante ao HAL 9000 (2001: Uma Odisseia no Espaço) chamado MILO (abreviação de Medical Interface Liaison Operator, com a voz de Mathieu Amalric, de O Escafandro e a Borboleta) para ajudá-la.

Fazendo seu primeiro longa-metragem em francês desde Alta Tensão, o diretor Alexandre Aja injeta um estilo interessante no roteiro simples da estreante Christie LeBlanc. E o momento é bastante propício: Oxigênio é um grande lançamento da Netflix, originalmente seria estrelado por outra atriz (Noomi Rapace, de Prometheus, que ainda é creditada como produtora executiva). Ele foi filmado na janela entre o primeiro lockdown da COVID-19 na França e a segunda onda da pandemia.

Estreando agora, enquanto a humanidade vai emergindo da pandemia (menos o Brasil, que vive seu pior momento – obrigado Bolsonaro!), o cenário do filme deve ressoar com o isolamento que o público tem vivenciado em suas próprias vidas – e a questão mais abrangente de se realmente queremos voltar ao que éramos antes ou vamos achar um novo normal. Esta é uma escolha e tanto, e que a personagem de Laurent (que coincidentemente dirigiu e atuou anteriormente num filme chamado Respire) deve fazer conforme seus níveis de oxigênio diminuem, com apenas um tempo limitado para entender sua situação, recuperar suas memórias e se salvar.

A direção de Aja pode ser uma distração em alguns momentos, mas isso não é necessariamente um problema. Como se não quisesse que o público percebesse o elenco e equipe limitados para execução do filme, o diretor embeleza seu cenário principal – uma câmara criogênica elegante que parece ter sido projetada pela Apple – ele investe também em flashbacks frequentes e alguns grandes efeitos visuais ao longo da duração do filme.

Falar mais sobre os efeitos estragaria a surpresa, embora quantas explicações possíveis podem haver para uma pessoa acordar em uma câmara criogênica? Descrever a solução da roteirista como óbvia seria um eufemismo. Ainda assim, são os detalhes que tornam o quebra-cabeça interessante, já que a personagem de Laurent – Omicron 267, como MILO a identifica – leva o espectador a juntar as peças junto com ela.

Durante a primeira hora, Aja apresenta visualmente o cenário claustrofóbico: vemos ratos de laboratório em labirintos, experimentos médicos antiéticos e flashes do que a personagem presume ser sua vida passada envolvendo um colega médico – e possível marido – Léo (Malik Zidi, de O Segredo da Câmara Escura). O problema é que, toda vez que o editor corta para fora da câmara, a estratégia de Aja de nos manter preso com a personagem perde o encanto. Além disso, quanto mais vemos fora do seu casulo, mais rápido descobrimos sua situação. E pode ser frustrante esperar que ela entenda o que já sabemos, especialmente porque ela é a única fonte de informações para o que a maioria do público já percebeu.

Se estivesse preso na situação da personagem, a maioria de nós provavelmente teria começado onde ela terminou, mas quando ela pensa na solução, seus níveis de oxigênio estão muito baixos. Isso se deve porque Oxigênio não é uma história de sobrevivência no sentido convencional. Ao contrário de Enterrado Vivo, onde Ryan Reynolds luta para escapar de um caixão possuindo apenas um isqueiro e um celular com bateria fraca, a essência de Oxigênio é mais existencial. A Omicron 267 deve adivinhar quem – ou mais precisamente, o que – ela é, e uma vez que essa revelação ganhe forma, há uma escolha consciente a ser feita se ela deseja continuar ou não.

Isso provavelmente teria funcionado muito melhor sem os vislumbres abstratos dos flashbacks da vida pré-congelamento. No roteiro, inclusive, devia funcionar muito melhor. Da forma como Aja conta a história, os buracos tornam-se aparentes. Alguns são grandes como um buraco negro, é verdade. Mas ainda é uma jornada intrigante e, pelos padrões das últimas ficções da Netflix, é melhor do que o recente O Céu da Meia-Noite e fica no páreo com Passageiro Acidental. E assim já serve como entretenimento.

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