Prata-Viva

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"Prata-Viva" é menos um filme de fantasmas que atormentam e mais sobre a condição do sonho como possibilidade de existência.

Os fantasmas parecem habitar não apenas o imaginário mas também o cotidiano de grandes cidades e a própria história das culturas. Elementos fantasmáticos são aqueles que estão presentes mas nunca de uma forma sólida, física e intermitente. Prata-Viva, filme de estreia do diretor francês Stéphane Batut, faz referência ao elemento químico mercúrio, único metal que, em estado físico e temperatura ambiente, é líquido. Pois é assim que o protagonista Juste (Thimotée Robart) se apresenta no filme, uma forma física para quem assiste, mas com um corpo efêmero, sempre em fuga, em relação às pessoas que encontra em cena.

Prata-Viva é narrado pela perspectiva de Juste, que logo é introduzido como um jovem desnorteado perto de uma ponte. Ao tentar conversar e pedir ajuda para um grupo de meninos, o rapaz é ignorado até que um homem entende a sua situação e o conduz a uma espécie de atendimento médico. Por ser um filme que tenta lidar com a fantasia tendo como base cenários realistas, acaba também fazendo uso de elementos de absurdo em que a suspensão de descrença se confunde com uma narrativa que se apresenta muitas vezes espiritualista. Juste ajuda pessoas a aceitarem a morte como uma nova condição, as conduz por cenários de memória e as entrega para a “médica” que as recebe, porém ele mesmo sempre está fugindo de sua própria aceitação.

Tendo como base a noção de que o protagonista é um fantasma, o filme se embrenha por narrativas já existentes que vão de Ghost a Asas do Desejo, tudo fica mais complexo quando a impossibilidade do amor entre dois corpos em lugares diferentes se coloca como motivação para a narrativa de Prata-Viva . Não se sabe ao certo quem pode ou não ver Juste até que flanando pela cidade uma mulher o aborda; Agathe (Judith Chemla) reconhece Juste de anos atrás e lhe dá a memória antiga de uma aventura sexual, fazendo com que ele sinta o anseio de estar vivo e assim o longa se torna o embate entre o físico e o fantasmático.

As questões de impossibilidade física são resolvidas das formas mais antigas possíveis: transparência do corpo de Juste, carros vazios, portas que abrem e fecham sozinhas. Thimotée Robart empresta ao personagem uma performance interessante de alguém que realmente não sabe o que está acontecendo, assim como o roteiro e a montagem do longa não funcionam de forma cíclica ou mesmo com uma ordem narrativa clássica, quem assiste descobre tudo junto com Juste. Para além da história do romance que move o filme – e, também, um dos pontos menos interessantes – há a relação do protagonista com outras pessoas mortas. Cenas dele conversando com elas, que contam alguma lembrança importante de suas vidas antes das suas passagens, revelam um aspecto bonito das vidas vividas e contadas pelas próprias pessoas.

Por fim, Prata-Viva é menos um filme de fantasmas que atormentam e mais sobre a condição do sonho – assim como da ficção e do cinema por extensão –  como possibilidade de se estar entre os dois pólos de vida e morte.

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