Quo Vadis, Aida?

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Quo Vadis, Aida? é um filme sobre a impossibilidade de traduzir o discurso da guerra diante da urgência da vida.

Assistir um genocídio de dentro e carregar a linguagem que transmite justamente a falta de diálogo entre os homens da guerra. Assim poderia ser a sinopse sobre quem é Aida e de como ela não consegue ir para lugar nenhum em Quo Vadis, Aida?, longa da diretora bósnia Jasmila Žbanić, um dos concorrentes à estatueta do Oscar de filme internacional, em 2021. O cerne do filme está na falta de habilidade no diálogo, não apenas na torre de babel das línguas, mas no total desinteresse, de quem faz a guerra, de defender o direito à vida de quem não está fardado.

Aida (Jasna Đuričić) é uma tradutora/intérprete da ONU em meio à guerra da Bósnia na primeira metade da década de 1990, um dos conflitos mais letais da história recente. Quo Vadis, Aida? se passa em um dia que se chamou de genocídio de Srebrenica (cidade sérvia), onde pelo menos oito mil homens e meninos muçulmanos morreram assassinados. No começo do longa já há um aviso de que, apesar de ser baseado em fatos reais, algumas mudanças aconteceram para que a história contada no filme tivesse a possibilidade de existir. Para isso, a diretora e roteirista Jasmila Žbanić constrói um relato de dentro, criando empatia particular no desespero da família dessa mulher, composta por ela, marido e dois filhos. Aida precisa executar seu trabalho e ao mesmo tempo traçar um plano de salvação de sua família; o desespero cresce conforme ela vai acessando as informações e percebendo que esses homens não sabem para onde vão ou mesmo como salvar tantas vidas, além das deles mesmos.

Acompanhando a protagonista em um único dia, enxergamos a tensão do seu ofício que é, literalmente, transpor algo de um lado para o outro, seja como mãe ou como tradutora. Essa metáfora do ato de  traduzir – que é o atravessamento entre línguas – é importante para perceber como Aida se vê em uma cruzada entre a sobrevivência e a execução de um trabalho. Além do ofício interpretando as conversas ocas e violentas  – que nunca chegam em lugar nenhum –  dos encontros entre os generais e soldados, a personagem também não consegue conversar com seu marido e filhos, pois eles não entendem algumas de suas tentativas de salvação. A impossibilidade na interlocução está em todas as camadas do filme, provando que a base da guerra é o poder de algumas pessoas sobre o discurso e as armas.

A pergunta bíblica de “onde vais” (aqui, sinalizada em latim) não precisa ser referenciada apenas para Aida, que aqui ocupa esse lugar da figura a ser crucificada. Como mulher nessa guerra, ela sobrevive para contar a história. Se houve oito mil homens mortos, também houve oito mil mulheres que perderam algum parente e tiveram que lidar com o que fica, mostrado habilmente na última parte do filme. Muito do que é violento na guerra é apresentado no filme com cenas que contemplam o vazio e a ausência: uma casa abandonada às pressas, ruas sem gente e com som de tiroteios. A violência também está nos discursos negativos e no assédio alimentado pelo poder. Quo Vadis, Aida? é um filme sobre a impossibilidade de traduzir o discurso da guerra diante da urgência da vida, também é sobre compreender algo e não conseguir articular.

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