Desde seus primeiros minutos, Sangue Negro se impõe como um épico singular, conduzido por uma visão intransigente de Paul Thomas Anderson e uma atuação monumental de Daniel Day-Lewis. Inspirado no romance Oil!, de Upton Sinclair, o filme não se contenta em ser apenas uma história sobre a ascensão do petróleo na virada do século XX. Em vez disso, mergulha na psique de seu protagonista, Daniel Plainview, um homem cuja ambição insaciável o transforma tanto em um império quanto em um monstro.
Anderson constrói a narrativa com uma paciência meticulosa, revelando aos poucos a natureza de Plainview. Quando o conhecemos, ele é um minerador solitário, sujo e obstinado, cavando a terra com as próprias mãos em busca de riqueza. Seu olhar predador se volta ao petróleo, e ele rapidamente aprende a manipular aqueles ao seu redor para expandir seus negócios. Seu maior adversário, no entanto, não é um concorrente do setor, mas sim Eli Sunday (Paul Dano), um pastor igualmente ardiloso, que vê em Daniel tanto uma ameaça quanto uma oportunidade para fortalecer sua igreja.
O confronto entre Daniel e Eli é o cerne do filme, um duelo entre a ganância capitalista e o fanatismo religioso, ambos alimentados pelo desejo de poder absoluto. Nenhum dos dois é exatamente confiável – enquanto Daniel se aproveita da fé alheia para comprar terras a preços baixos, Eli usa a religião como espetáculo, buscando controlar sua comunidade com promessas de salvação. A dinâmica entre os dois é fascinante, e Anderson conduz suas interações com crescente tensão, culminando em momentos de pura brutalidade.
O filme é visualmente deslumbrante, capturado pela fotografia de Robert Elswit, que dá à paisagem árida da Califórnia uma beleza quase apocalíptica. O uso de luz natural e sombras acentuadas reflete tanto a grandiosidade do empreendimento de Daniel quanto sua jornada solitária rumo à escuridão. A trilha sonora de Jonny Greenwood, repleta de cordas dissonantes e batidas ameaçadoras, amplifica a sensação de inquietação, tornando-se uma extensão da psique do protagonista.
A performance de Day-Lewis é o coração de Sangue Negro. Ele transforma Daniel Plainview em uma força da natureza – um homem que seduz com palavras mansas, mas cuja ira e desprezo pelo mundo transbordam a cada olhar. Seu carisma inicial dá lugar a um isolamento crescente, e, conforme o filme avança, ele se torna uma figura quase mitológica, consumida por sua própria fúria. O arco do personagem é construído com uma precisão cirúrgica, e Day-Lewis encontra nuances até nos momentos mais explosivos.
Se há um ponto de fragilidade no filme, é seu ato final, que, apesar de entregar uma conclusão impactante, se distancia da complexidade psicológica estabelecida ao longo do filme. A degradação de Daniel se intensifica a tal ponto que ele se torna uma caricatura de si mesmo, perdendo parte da ambiguidade que tornava sua jornada tão instigante. Ainda assim, a cena derradeira – com seu humor perverso e sua violência crua – demonstra perfeitamente a ideia central da obra: a ambição desenfreada não traz redenção, apenas um vazio irreversível.
No fim, Sangue Negro não é apenas um filme sobre petróleo, religião ou ganância. É um estudo de personagem assombroso, um retrato brutal do capitalismo e da obsessão, conduzido por um diretor no auge de sua forma e um ator em uma das performances mais marcantes do século. Anderson não oferece redenção nem lições morais – apenas um olhar hipnotizante sobre a ascensão e queda de um homem que, no fim das contas, só queria vencer a qualquer custo.