Desde 2015, quando saiu o primeiro longa da série animada Shaun, o Carneiro eu comento que as animações em stop-motion são como outsiders no cinema atual, disputado pelas animações em CGI, que envolvem outras complexidades narrativas. Sempre fico impressionada assistindo os bastidores das famosas animações “de massinha” e de como cada personagem é moldado de forma a lidar com movimentos e performance muito específicos. Quase seis anos depois, o estúdio inglês Aardman – especializado no gênero e na ativa desde 1972 – ainda é o responsável pelas novas aventuras do carneiro Shaun em A Fazenda Contra-Ataca. O filme é distribuído pela Netflix e traz uma visada interessante da ideia de uma invasão alienígena.
Tudo está muito tranquilo na cidadezinha inglesa de Mossingham, inclusive na fazenda onde vivem Shaun e sua família de ovelhas, o cão Bitzer, o fazendeiro, as galinhas e o resto dos animais. A família de Shaun continua causando confusão e o cão tenta controlá-los. Uma das peripécias do carneiro – tentando encomendar algumas pizzas no computador do humano – coincide com a chegada de um pequeno alienígena (que lembra um cão azul e rosa) que já surgiu causando confusões com a sua impossibilidade de comunicação com seres da Terra. Lu-la faz amizade com Shaun e já dá para imaginar que os dois juntos vão causar algumas confusões enquanto os moradores da cidadezinha lidam com o fenômeno alienígena na região.
Assim como no primeiro filme, o enredo de A Fazenda Contra-Ataca parece simples e até mesmo bobo. Porém, há espaço para fazer referências literárias, a outros filmes clássicos do gênero e ainda brincar com a forma humana-animal-alienígena dos personagens. Aliás, a questão da relação entre humanos e animais – assim como suas estruturas de organização – é um dos pontos mais bem desenvolvidos tanto nos filmes quanto na série do personagem Shaun. Os humanos, quando aparecem, são dotados de características pouco complexas em relação aos animais e assim a narrativa dá agência a esses últimos, que são cheios de camadas subjetivas e tem suas próprias personalidades, levando as pessoas que assistem a pensar sobre seus próprios comportamentos.
Outro ponto interessante é a ausência de uma língua específica, humanos e animais não falam inglês ou qualquer outra conhecida, não há uma única linha de legenda no filme e isso dá um tom de universalidade para ele. Todos os personagens soltam grunhidos específicos e isso torna ainda mais interessante a presença de Lu-la, o alienígena. Assim como em Contatos Imediatos de Terceiro Grau, “o diálogo” se dá entre códigos facilmente reconhecidos de forma simpática. Em vez desse ser estrangeiro mostrar que vem de outro lugar através da fala, mostra essa condição em comportamentos excessivos e de descobertas – por exemplo, Lu-la se fascina pelos doces – ou ainda, brincando de imitar humanos e/ou animais, sempre realçando algum comportamento caricato.
A forma reconhecível do pequeno alienígena – não causando estranhamento dele ser um outro ou estrangeiro – dialoga com o fato de um carneiro e um cão disputarem espaço em uma fazenda onde o único humano é bastante atrapalhado e nem de longe tem a sagacidade dos animais, como já comentado. Se no primeiro filme os animais se organizam para passar a perna em seres humanos para poderem se divertir, aqui eles estão ainda mais organizados e cheios de trunfos na manga para poderem atuar juntos para que humanos não tenha poder de decisão nem sobre eles, muitos menos sobre o pequeno ser extraterrestre.
No fim de tudo, A Fazenda Contra-Ataca é um filme sobre amizade, pertencimento, sobre barreiras de senso comum de comportamento do que se considera normal e a ideia do outro como algo estrangeiro e diferente. Isso tudo é feito de forma divertida, como toda boa animação, borrando a ideia do que é feito para crianças e adultos.