Softie

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“Softie” complexifica a infância e aposta no protagonismo de uma criança que está descobrindo as questões sobre ter um corpo.

Softie, filme do diretor francês Samuel Theis, que já teve exibição por aqui no começo do ano, na edição do My French Film Festival, agora chega no circuito com um enredo cuidadoso sobre crescer e amadurecer diante da constatação de que ter um corpo é algo complexo desde muito cedo. Johnny (Aliocha Reinert) é um menino de 10 anos curioso e sensível, que vem de uma família da classe trabalhadora e vive fora do centro conhecido da França, em um conjunto habitacional. A mãe, Sonia (Mélissa Olexa), é jovem, tem empregos precários, bebe bastante e tem uma vida amorosa tão insegura quanto os seus trabalhos. Indo na contramão de representações clássicas de famílias disfuncionais (principalmente do cinema estadunidense), Sonia é paciente com os três filhos – além de Johnny, há um adolescente e uma criança pequena –, luta para sustentá-los e demonstra amor e compreensão na medida do que lhe é possível.

Porém, em Softie, o protagonismo é todo de Johnny e a família é um dispositivo para a performance que assistimos. Algumas das sinopses chamam ele de “criança problemática”, mas na prática o menino é muito mais uma criança sensível que teve que amadurecer muito cedo diante do cenário de sua família. Desde a primeira cena do filme acompanhamos Johnny cuidando e se preocupando com as pessoas e seres ao seu redor; seja o ex-companheiro da mãe ou os peixes de aquário da família. Em contrapartida, quem cuida do menino? Quem se encarrega de estar perto enquanto ele amadurece?

Apesar de muitas responsabilidades, Johnny ainda não sabe bem o que fazer com o seu corpo ou com os sentimentos rudimentares que despontam. Não é por acaso que o surgimento de um novo professor, o jovem Sr. Adamski (Antoine Reinartz), faz com que o menino tenha que lidar com tudo de uma maneira ainda muito primitiva para ele. O título do filme em francês – algo como “pequena natureza” – tenta dar conta do que seria uma criança que sozinha tenta emular comportamentos de pessoas adultas sem ter a menor noção, e supervisão, de quais destes podem ser mal interpretados.

Tudo poderia passar pelo crivo da violência, abuso e descaso com a infância, porém em Softie, Theis aposta em outros caminhos. Há um olhar de afeto para essa “pequena natureza” que está ganhando forma e que os adultos ao seu redor não vão conseguir dominar. A direção é cuidadosa com Aliocha Reinert que, realmente, carrega o filme enquanto protagonista e permite que nosso olhar não ultrapasse, nas interpretações, do que está sendo mostrado em tela, até mesmo em cenas muito delicadas e complexas. O diretor também se permite elaborar cenas emblemáticas pelo olhar infantil: um quadro que se borra em direção ao adulto que tanto admira; uma dança em homenagem a uma decisão; ou mesmo um ataque de fúria, dizendo verdades às pessoas adultas ao seu redor, onde todos são filmados, pasmos e distantes, enquanto temos o privilégio de ver o rosto dele de perto.

Samuel Theis escreveu o roteiro com Gaëlle Macé, e juntos fazem de Softie um filme com temas muito difíceis, construídos e filmados de maneira honesta e simples, sem o desejo da exploração, com foco no olhar da criança, nos permitindo olhar de volta enquanto nos despimos da malícia adulta. Apesar de toda a rudeza, Johnny não nos oferece respostas simples, deixando Softie não ser um filme corriqueiro de amadurecimento (coming of age), de sexualidade ou de relações de violência e classe. É a infância em toda sua complexidade.

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