Um Outro Ano

Um filme com três horas de duração, composto por apenas treze planos. Está aí a característica mais marcante do longa chinês “Um Outro Ano”, de Shengze Zhu.

Através de treze janelas no tempo, uma para cada mês do ano, somos apresentados pouco a pouco a uma família chinesa de três gerações. Montado com planos longos e estáticos que acompanham cada qual um jantar dessa família, com a câmera sempre posicionada numa perspectiva com um ponto de fuga, vemos descortinar fragmentos da vida privada dos personagens.

A ambientação do longa se dá em dois cenários distintos, o primeiro, um minúsculo apartamento em uma grande cidade chinesa, o segundo, uma casa na aldeia de origem da família. Em ambos os cenários chama a atenção a onipresença de uma televisão sempre ligada, que funciona como um elo de ligação entre esses dois mundos antagônicos. O antigo e tradicional, representado pela casa da aldeia, e o novo e caótico do ambiente urbano, que se faz sentir na claustrofobia do feio apartamento e nos conflitos e angústias daqueles que ali convivem espremidos na busca de uma vida melhor.

“Um Outro Ano” acompanha algumas refeições dessa família migrante, formada por um pai, trabalhador temporário, uma mãe, dona de casa, uma filha adolescente, duas crianças menores e a avó paterna. Mas como em um “Iceberg”, onde se vê apenas uma fração de sua totalidade, percebemos que há mais na tela que pessoas comendo. Aqui começamos a nos questionar em que contexto esses indivíduos vivem. Onde estão? Por que agem assim?

O pai tem o imperativo de conseguir trabalho, ganhar dinheiro e prover para a família. A filha adolescente com desejos de consumo. A mãe que cuida da sogra a contragosto e se ocupa de reclamar o tempo todo. Crianças quase sempre assistindo TV. Nessas cenas de caráter privado se evidencia um mundo externo em transformação, onde os antigos valores já não dão conta de mediar as relações humanas, até mesmo as mais íntimas.

Conduzidos através da vida privada dos personagens assistimos o desenrolar de um cenário invisível de alterações mais amplas nas estruturas social e econômica. Shengze Zhu faz um retrato cru e complexo dessa mudança de paradigma de uma China que se transforma para além de luzes brilhantes e modernos edifícios espelhados que crescem em direção às nuvens.

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