Uma Noite em Haifa

Onde assistir
Apesar de morno, Uma noite em Haifa é um filme que serve de peça para uma história de guerras, incompreensões, violência e paradoxos longe de serem resolvidos.

Amos Gitai é um diretor israelense considerado ícone da contestação política no cinema. Apesar de ter estudado arquitetura, foi no cinema que o diretor trouxe obras que discutiam a complexidade da história de judeus, israelenses, palestinos e árabes em filmes como Kippur (2000) e Kaddosh (1999), além de documentários como A Casa (1980), seu primeiro filme.

O mais recente trabalho de Gitai, Uma noite em Haifa, sofreu com a pandemia de COVID-19, estreando em 2020 mas só chegando ao circuito em 2023, carregando não apenas as mudanças de percepção após esse período, mas também o agravamento da situação entre Israel e Palestina. Por esses motivos, o filme chega ao público de forma paradoxal: em um primeiro momento, morno, quase entediante por conta dos diálogos que querem muito mostrar discursos de contraste entre pessoas que vivem em um lugar fronteiriço. Em um segundo momento, com a construção de um clima tenso – como se algo estivesse prestes a eclodir –, servindo de introdução para um período de conflito pesado, que torna os acontecimentos propostos no filme uma ficção de algo que está cada vez mais difícil de acontecer.

Haifa é uma cidade portuária, que fica no norte de Israel e foi onde Amos Gitai cresceu. Em entrevistas, o diretor diz que a cidade é “menos dramática” que Jerusalém e com uma vida noturna menos agitada que Tel Aviv, sendo a terceira maior cidade do país. Em Uma noite em Haifa, ele quis colocar em cena a complexidade das teias de relacionamentos cotidianos entre pessoas israelenses e palestinas. Há homens palestinos flertando com mulheres israelenses e sendo correspondidos, artistas expondo fotografias da resistência palestina e sendo convidados para vender esse tipo de arte para o público norte-americano e, ainda, há conflitos geracionais de relacionamentos assimétricos.

Como arquiteto, o diretor se fixa em espaço onde a câmera pode sair e entrar facilmente. Esse lugar onde tudo acontece é uma galeria de arte, bar e restaurante onde, aparentemente, pessoas que fazem parte de uma elite cultural da cidade podem se movimentar além das fronteiras políticas. Uma noite em Haifa faz a câmera circular pelo lugar, captando conversas nada aleatórias, pois todo o significado delas depende de quem e quando estamos assistindo. Talvez, esse ponto de termos que prestar atenção nas conversas, com nossos ouvidos que só recebem notícias longínquas dos conflitos, seja mérito da roteirista Marie-José Sanselme, que trabalha com o diretor há décadas.

O título do filme, em inglês, traz o nome de Laila (Laila em Haifa), a personagem de Maria Zreik, uma jovem mulher palestina, curadora e dona da galeria de arte. O título dá uma ideia errada de que Laila é a protagonista, apesar de ser a personagem que transita com maior força pelo filme, junto com o fotógrafo Gil (Tsahi Halevi). Curadora e artista fazem os outros personagens, com seus micro-universos, circularem ao seu redor, tentando manter em pé a ideia de que é possível o convívio entre pessoas com realidades tão diferentes fora daquele espaço.

Para quem não conhece o cinema de Amos Gitai – que tem uma forte relação com o Brasil –, talvez Uma noite em Haifa soe como um filme morno demais para situações tão delicadas como os mais recentes ataques de Israel à Palestina. O filme, isolado, soa como uma tentativa de amenizar os conflitos e apostando na construção de relações entre pessoas no cotidiano. Porém, no conjunto da obra do diretor, o filme serve de peça para uma história de guerras, incompreensões, violência e paradoxos longe de serem resolvidos.

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