Dormir de Olhos Abertos

Onde assistir
“Dormir de Olhos Abertos”: Fragmentos de pertencimento em terras estranhas

Lançado lá fora em 2024, Dormir de Olhos Abertos, da cineasta alemã Nele Wohlatz, é um filme delicado sobre deslocamento e pertencimento. Conhecida por explorar histórias de estrangeiros em trânsito desde obras como Ricardo Bär e O Futuro Perfeito, a diretora agora leva sua câmera para Recife, acompanhando a trajetória de uma jovem taiwanesa que se cruza com imigrantes chineses vivendo à margem, sem grandes sonhos ou objetivos claros.

Nele Wohlatz é uma cineasta alemã, que resolveu fazer da Argentina a sua segunda casa e o ponto de partida para sua carreira. Estudou cenografia e filosofia na Alemanha e depois cinema em Buenos Aires, o que acabou moldando seu olhar para temas ligados ao deslocamento e à vida de estrangeiros. Seu terceiro longa, Dormir de Olhos Abertos, é uma coprodução internacional que envolve Brasil, Argentina, Taiwan e Alemanha, com Kleber Mendonça Filho na produção.

O filme se passa em Recife e acompanha Kai, uma jovem de Taiwan que viaja para o Brasil tentando superar um coração partido. Depois de um ar-condicionado que quebra, ela acaba conhecendo Fu Ang, dono de uma lojinha de guarda-chuvas, que misteriosamente desaparece. A busca por ele a leva a cruzar com Xiaoxin e um grupo de trabalhadores chineses vivendo num arranha-céu de luxo, e é nesse contato que ela começa a perceber que suas dores e inseguranças encontram eco em outras pessoas que também vivem o desenraizamento. É um retrato delicado de gente deslocada, invisível, tentando existir em meio a uma cidade que tanto acolhe quanto estranha.

O que chama atenção é que Wohlatz não idealiza seus personagens. Não há grandes sonhos de prosperidade ou transformações épicas: são vidas suspensas, de pessoas que existem no intervalo entre países, presas em trabalhos repetitivos e sem grandes perspectivas. A sensação é de acompanhar personagens que estão sempre de passagem — num país, numa língua, numa relação.

O longa é bastante contemplativo, e as cenas parecem migalhas de vida: conversas atravessadas, encontros que não levam a lugar algum, mas que passam a sensação de estar vendo pessoas reais, com dúvidas e silêncios muito familiares. A diretora ainda reforça o sentimento de estranheza misturando diversas línguas, como mandarim, português, espanhol, inglês.

No fim das contas, Dormir de Olhos Abertos é sobre estar perdido, geograficamente e emocionalmente. Não se trata de uma história de conquistas, mas de pequenas presenças que, mesmo frágeis, encontram alguma forma de conexão. Mais do que contar uma trama, Wohlatz constrói uma narrativa feita de fragmentos, encontros e silêncios, em que a ausência de rumo se torna justamente o coração da experiência.

Você também pode gostar...