O processo de aquisição da linguagem foi durante muito tempo definido apenas por processos de aprendizagem da fala, do letramento e da boa comunicação geral do indivÃduo com o mundo. Até o final do século XIX, pessoas com necessidades especiais em geral eram privadas do convÃvio social em casas de familiares ou internadas em asilos. Em A Linguagem do Coração, do francês Jean-Pierre Améris, é contada a história real de Marie Heurtin, uma jovem cega e surda de 14 anos que aprendeu a se comunicar com as pessoas e o ambiente usando apenas o toque e o olfato.
Marie Heurtin (Ariana Rivoire) nasceu cega e surda na França no fim do século XIX, perÃodo em que as necessidades especiais ainda caminhavam a passos lentos sobre pesquisas eficazes em relação a adaptação dessas pessoas e o mundo ao seu redor. Chegando na adolescência, os pais de Marie não conseguiam mais lidar com o comportamento da jovem que estabelecia poucas formas de diálogo, tornando cada vez mais difÃcil processos simples como banho e alimentação. Rejeitando a ideia de colocar Marie em um asilo, o pai procura o Instituto Larnay – lugar especializado na educação de jovens surdas – para encontrar um caminho para a sua filha. Lá encontra a freira Marguerite (Isabelle Carré) que abraça a causa de forma incansável e como grande obra para sua vida.
A história de Marie Heurtin é aproximada muitas vezes com a da americana Hellen Keller, que mesmo nascendo cega e surda se tornou uma grande ativista e escritora graças ao empenho de uma educadora. Em A Linguagem do Coração é mostrado todo o trabalho de Marguerite para provar que apesar de Marie ser privada de dois sentidos, ela lida com outros de forma poderosa. O toque e o olfato da jovem são seus olhos e ouvidos, o cheiro que diferencia as pessoas e as expressões que ela sente na ponta dos dedos permitem ela entrar em contato com o outro e o ambiente.
O roteiro de Jean-Pierre Améris e Philippe Blasband se atém em dois pontos fundamentais: A passagem de Marie de um estado de inconstância e quase nenhum diálogo em direção a delicadeza da percepção. Ainda, trabalha bem com o elemento dramático da relação entre Marguerite e Marie, criando um laço de via de mão dupla entre a aluna e a mestra. Como A Linguagem do Coração trata de um enfoque na relação de cuidado e desenvolvimento entre as duas protagonistas, o filme desenvolve pouco a relação com a famÃlia de Marie e as outras internas do Instituto. O roteiro e a direção resolvem essas faltas focando nas ações de aprendizado propostas por Marguerite e nas dificuldades de Marie em se adaptar, colocando em vários momentos na tela cenas tocantes e sensÃveis de Marie e suas novas descobertas.
Destaque para a atuação da jovem Ariana Rivoire, mostrando que atores surdos são extremamente competentes, dando conta de todo o processo de Marie, executando uma ótima performance e preparo corporal. E para Isabelle Carré como a persistente e jovem freira que se descobre uma excelente educadora, sempre observadora e empenhada. As atuações das duas atrizes, sejam sozinhas ou em conjunto, são trabalhadas em harmonia e mostram uma firme direção de atores que coloca em tela um drama que conecta os personagens com o espectador.
O subtÃtulo original do filme diz da escuridão para a luz, essa frase dá conta do universo repleto de obstáculos que a jovem Marie conhecia desde que nasceu. Mesmo tendo um grande carinho pelos pais, ela não se sentia parte daquele ambiente em que nem sempre o toque deu conta de perceber. Marie precisou criar relações com o mundo, com as texturas e com os cheiros. A jovem encontra em Marguerite essa ponte entre a escuridão óbvia da cegueira para sentir de forma confortante o sol aquecendo o rosto no verão, os pingos de neve no inverno e a expressão do sorriso em um rosto que movimenta cada músculo criando uma sensação única. A Linguagem do Coração não é um filme sobre limitações e sim sobre a descoberta de infinitas outras formas de comunicação. Mesmo para quem tem todos os sentidos, as chances de ir além são muitas.
Nota:
A Linguagem do Coração
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