No mundo obcecado pela juventude e beleza, A Substância oferece uma crítica afiada e provocativa ao culto da imagem. O filme chega em um momento em que tratamentos milagrosos para perda de peso e rejuvenescimento, como os remédios que prometem “devolver o que você era antes”, estão cada vez mais populares. Em um paralelo intrigante, a trama de Coralie Fargeat questiona até onde estamos dispostos a ir para alcançar uma versão idealizada de nós mesmos.
A protagonista, Elizabeth Sparkle, vivida por Demi Moore, é uma atriz que já teve seus dias de glória, mas agora se vê relegada ao esquecimento por conta da idade. Quando perde seu emprego em um programa de TV fitness, a oportunidade de uma nova droga, chamada “A Substância”, promete reverter seus anos e lhe devolver a fama. No entanto, o custo dessa juventude artificial é alto: Elizabeth e sua versão jovem, Sue (Margaret Qualley), precisam alternar entre si a cada sete dias. Essa convivência forçada logo revela que os efeitos colaterais da substância vão muito além do físico.
A direção de Fargeat é precisa e carregada de simbolismo. O arco de Elizabeth e Sue lembra a relação entre Frankenstein e sua criação, onde a busca por uma nova vida resulta em consequências imprevistas. O filme mergulha no horror corporal, evocando A Mosca, em que experimentos científicos se transformam em pesadelos. A influência de cineastas como David Cronenberg e Brian De Palma é evidente, e a forma como o filme mistura sangue e neon cria uma atmosfera visualmente deslumbrante, ao mesmo tempo que perturbadora.
O visual do filme é um de seus pontos fortes, com a fotografia de Benjamin Kracun e o design de produção estilizado por Stanislas Reydellet. As cores vibrantes e saturadas que dominam Beverly Hills são um reflexo da artificialidade que parece ser a busca pela perfeição. Fargeat consegue capturar a essência da obsessão pela juventude não apenas no enredo, mas em cada detalhe visual, desde os cenários até os figurinos exuberantes.
Dennis Quaid brilha no papel do grotesco executivo Harvey, um vilão exagerado e quase caricatural. Seu personagem é uma representação dos poderosos do entretenimento que exploram a imagem das mulheres, enfatizando a superficialidade da indústria. A escolha de lentes distorcidas e close-ups desconfortáveis para as cenas de Harvey reforçam seu caráter desprezível e a crítica à forma como ele trata Elizabeth.
Margaret Qualley traz à vida Sue, a versão idealizada de Elizabeth, com uma energia jovem e sedutora, vestida com roupas de neon e maquiagem exagerada. Ela representa a versão que a sociedade deseja consumir: um corpo perfeito, sem marcas do tempo. A dualidade entre Sue e Elizabeth reflete o conflito entre a aceitação da realidade e o desejo de eternizar a juventude.
Demi Moore oferece uma performance intensa e sincera, capturando a dor de uma mulher que luta contra a autocrítica e o envelhecimento. Uma das cenas mais marcantes do filme mostra Elizabeth em frente ao espelho, incapaz de enxergar sua própria beleza, uma metáfora poderosa para a pressão constante de se conformar a padrões impossíveis. A transformação emocional que Moore retrata é o coração de A Substância, tornando sua jornada profunda, bela e trágica.
Embora seja uma história de terror, o filme vai além dos sustos convencionais, abordando questões complexas sobre identidade e autoimagem. A Substância nos confronta com o dilema de até que ponto estamos dispostos a ir para manter uma aparência idealizada. O filme nos lembra que, muitas vezes, o verdadeiro horror não está nas transformações físicas, mas nas consequências psicológicas de nunca se sentir suficiente.
No fim das contas, A Substância é uma reflexão provocativa sobre os perigos da obsessão pela juventude e os limites que a sociedade impõe sobre o envelhecimento. Em um mundo onde a aparência é constantemente monitorada e julgada, o filme nos desafia a considerar o preço que pagamos ao tentar alcançar um ideal inatingível.