A Vilã das Nove é um filme que carrega consigo o peso de uma premissa instigante e genuinamente brasileira. Roberta, vivida com competência por Karine Teles, está tentando reconstruir sua vida após um divórcio. Sua trajetória, entretanto, vira de cabeça para baixo quando descobre que seu passado foi transformado em trama de uma novela das nove, onde ela é retratada como a vilã da história. A partir daí, o longa explora com inteligência a interseção entre a realidade e a ficção, algo que só o cinema nacional, com sua profunda relação com a teledramaturgia, poderia abordar de maneira tão interessante.
Dirigido por Teodoro Poppovic, A Vilã das Nove é uma produção que equilibra bem o drama e a comédia. O filme consegue provocar risadas com suas cenas cômicas e, ao mesmo tempo, emocionar com momentos mais profundos, revelando a complexidade das relações familiares. É um filme que se destaca especialmente por seu roteiro metalinguístico, brincando com a ideia de expor segredos pessoais ao público, e o impacto disso nas pessoas envolvidas.
O ponto alto do filme é, sem dúvida, a crítica e a homenagem que faz às telenovelas, um dos pilares da cultura popular brasileira. Roberta vê sua história real transformada numa caricatura novelesca, com direito a traições exageradas, revelações bombásticas e personagens que beiram o absurdo, exatamente como os folhetins clássicos. Essa dualidade entre a realidade e a ficção traz um tom único ao longa, que sabe rir de si mesmo e de suas referências.
Karine Teles é o coração do filme. Sua atuação como Roberta — uma mulher que, ao mesmo tempo, luta contra os fantasmas do passado e tenta proteger a relação com sua filha Nara — é marcante. O elenco de apoio, incluindo Laura Pessoa e Alice Wegmann, também não fica para trás, contribuindo para o peso emocional da história. Wegmann, em particular, entrega uma performance intensa como Débora, a filha ferida que decide expor o passado da mãe através da televisão.
A novela fictícia dentro do filme, “A Mãe Má”, é um espetáculo à parte. Ela exagera todos os elementos clássicos das telenovelas brasileiras, com reviravoltas mirabolantes e vilanias caricaturais. A personagem Eugênia, interpretada por Paloma (Camila Márdila), é uma síntese das grandes vilãs da TV, relembrando figuras icônicas como Carminha de Avenida Brasil e Nazaré Tedesco de Senhora do Destino. Essas referências dão um charme especial à obra, tornando-a familiar e ao mesmo tempo inovadora.
O filme também acerta ao fazer um comentário ácido sobre a indústria do entretenimento. Ao expor como os bastidores da televisão podem ser tão dramáticos quanto as próprias novelas, A Vilã das Nove joga luz sobre as pressões de manter um público engajado, de criar histórias que prendam a atenção das massas, mesmo que isso signifique manipular a verdade. Modesto, o autor da novela interpretado por Antonio Pitanga, é uma figura que encarna perfeitamente essa tensão.
Visualmente, o filme utiliza uma estética que brinca com a transição entre o real e o fictício, destacando a linha tênue que separa a vida comum dos espetáculos midiáticos. As cenas que alternam entre a vida real de Roberta e os episódios de “A Mãe Má” são eficazes ao mostrar como a realidade pode ser distorcida e adaptada para caber em uma narrativa televisiva. É um exercício visual interessante que mantém o público imerso na trama.
O longa, apesar de algumas oscilações entre o drama e a comédia, consegue manter o público envolvido, especialmente nos momentos em que explora a relação entre mãe e filha. A jornada de Roberta para reparar os erros do passado e se reconectar com Débora é o fio condutor da história. É nesse núcleo familiar que o filme encontra sua verdadeira essência, desviando das piadas e focando nos dilemas emocionais dos personagens.
A Vilã das Nove não é apenas um filme sobre segredos expostos, mas sobre a busca por redenção e reconciliação. A conclusão da trama é satisfatória, respeitando o estilo novelesco que permeia toda a narrativa, mas sem deixar de lado a profundidade necessária para explorar temas como arrependimento e perdão. No final, fica claro que, assim como numa boa novela, a verdade é apenas parte do espetáculo.