O documentário brasileiro Abre Alas, de Ursula Rösele, elege algo aparentemente simples: abrir a câmera e ouvir. Ao reunir sete mulheres com mais de 50 anos, de trajetórias distintas, a diretora opta por escutar o que muitas vezes permaneceu silenciado ao longo da vida dessas narradoras. O resultado é um mosaico sensível sobre o que significa ser mulher no Brasil, marcado por memórias, dores e resistências que emergem sem filtros, como um gesto político e estético.

Ursula Rösele, inspirada em Eduardo Coutinho (do icônico Edifício Master) compreende que ouvir também implica acolher pausas e silêncios. Esse gesto transforma o set de gravação em um espaço de confiança e entrega, no qual cada depoimento ganha densidade e complexidade. São mulheres que vivenciaram diferentes formas violência doméstica, traumas de infância, transfobia, solidão, maternidade, temas que raramente encontram lugar para ser elaborados publicamente.
Abre Alas se ancora na diversidade das sete histórias. Não há “modelo” de feminilidade, tampouco a pretensão de representar uma experiência unificada. O que o filme faz é iluminar singularidades: uma mulher trans lidando com apagamentos históricos; uma avó que redescobre seus desejos; alguém que carrega marcas de violência. É nesses entrecruzamentos que o documentário revela a pluralidade de ser mulher no Brasil, complexa, contraditória e, sobretudo, resistente.

Cada mulher revisita passagens de sua vida por meio da palavra, testemunhos que transformam os traumas em criação, a palavra enquanto veículo de cura, memória e denúncia. É como se cada mulher, ao narrar o que foi guardado por décadas, revelasse uma nova forma de existir, mais livre, mais consciente de si, mais plena. Essa dimensão terapêutica está integrada à ética do filme.
Premiado com o Melhor Destaque Feminino no Femina 2025 – Festival Internacional de Cinema Feminino, o documentário alcança a delicadeza da escuta comprometida e a recusa em transformar dor e vulnerabilidades em espetáculo. A diretora apresenta suas personagens com dignidade, reconhecendo nelas a vitalidade de quem sobreviveu a estruturas que insistem em silenciar corpos femininos. Ela convida o público a sentir e a ouvir, a reconhecer que cada mulher carrega uma história marcada por intensidades, sofrimentos, coragem e beleza. Em um Brasil que ainda marginaliza vozes femininas, o filme surge como obra sensível, político e humana, abrindo alas para outras formas de existir e narrar.




