As Oito Montanhas

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“As Oito Montanhas” tenta explorar lógicas de masculinidades entre dois amigos desde a infância, mas acaba entregando um filme visualmente belo porém ensimesmado.

A ampliação de produções realizadas e/ou protagonizadas por pessoas que se identificam como mulheres também têm trazido algumas produções que discutem ideias de masculinidades e suas problemáticas. Esse é o caso de As Oito Montanhas, filme dirigido pela dupla belga Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, baseado no romance premiado, e homônimo, do italiano Paolo Cognetti.

As Oito Montanhas trata da amizade de dois homens, Pietro e Bruno, desde os doze anos. Ambos se conhecem nos alpes italianos, um lugar que no começo da década de 1980 já é inóspito, reforçando uma diferença entre cidade (Pietro) e campo (Bruno). A família de Pietro passa a frequentar o lugar em que Bruno é a única criança, pois o êxodo rural deixou pouca gente para trás. Os meninos brincam, conversam e vão construindo uma amizade até que a família urbana, sabendo que Bruno não vai bem na escola, decide que quer levá-lo para Turim, onde moram e acreditam poder dar uma boa educação para ele. O pai do menino é contra e o leva embora. Bruno e Pietro ficam sem se ver por anos e ambos se tornam adultos diferentes, pois vivem em classes sociais distintas, mas algumas situações e desejos os unem.

Na segunda metade de As Oito Montanhas passamos a acompanhar a vida adulta de Pietro (Luca Marinelli) e Bruno (Alessandro Borghi) e as formas que eles encontram para manter a amizade, lutando contra as lógicas de masculinidade que foram ensinadas para ambos. Algumas situações da infância dos dois surgem como ponto de partida, por exemplo a figura do pai de Pietro, um engenheiro de uma grande fábrica, que leva os meninos, ainda crianças, para escalar: Pietro se cansa mais rápido que Bruno, se sente fraco nas caminhadas enquanto o outro já aponta alguma espécie de virilidade. Esse é o tipo de situação que afasta Pietro do pai, enquanto Bruno gosta da presença daquele homem. Anos mais tarde, com a morte do engenheiro – e o sumiço do pai de Bruno –, os dois precisam, literalmente, construir uma casa juntos.

A promessa de construir uma casa para o pai de Pietro é uma situação que faz os dois homens, agora com mais de 30 anos, pensarem sobre a sua relação desde a infância. Mas é o silêncio que se mistura ao cimento dessa casa. Apesar de eles se sentirem mais próximos fisicamente, as conversas mais profundas são lacônicas e a forma de dirigir os dois atores torna tudo uma situação homoerótica impossível de ser concretizada porque há muita heteronormatividade em cena. Os dois disputam quase tudo de maneira passivo-agressiva, desde a atenção do pai de Pietro, na infância, até uma namorada do mesmo na vida adulta. Pietro segue sendo a cidade e busca por sentido da vida; Bruno segue sendo o selvagem e a solidão.

Apesar de uma cinematografia caprichada – feita por Ruben Impens, com fotografia de planos abertos e drones que captam toda a beleza dos alpes italianos e do Nepal –, As Oito Montanhas erra a mão no roteiro entediante de mais de duas horas, sem arriscar a performance dos protagonistas. A velha discussão da natureza selvagem e a busca do homem (aquele que representa o masculino) pelo sublime está presente, assim como desde o século XVIII. O enredo só pode caminhar para o trágico, com a voz de Pietro, agora escritor e narador do filme, dizendo que Bruno foi, talvez, a única pessoa que o conheceu de verdade. Nós sabemos disso, mas Bruno nunca soube.

O filme ganhou o prêmio de júri de Cannes, em 2022, talvez justamente pelo ensimesmamento de seus personagens. Há expectativas, assistindo As Oito Montanhas, de que observando a intimidade de dois amigos desde a infância, possamos entender os caminhos de lógicas de masculinidades violentas e introspectivas. Porém, ganhamos cenas belíssimas com personagens que atravessam as maiores montanhas do mundo sem conseguir dizer o que sentem.

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