As Polacas

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Disfarçado de drama histórico, “As Polacas” é um filme de terror sem potencial narrativo.

Infelizmente, a boa vontade não salva o olhar masculino na construção de narrativas e, em especial, daquelas visuais. As Polacas, filme de João Jardim (Para o dia nascer feliz e Janela da Alma) é um passeio pela exploração da tortura visual. O filme é floreado com direção de arte e fotografia cuidadosos para jogar na tela uma história inconsistente, que se esfarela entre gritos e câmeras fechadas no rosto de personagens sendo estupradas e violentadas das mais variadas formas.

A justificativa de As Polacas é de tratar da história real de mulheres polonesas – baseado em livros como “El Infierno Prometido”, de Elsa Drucaroff, e “La Polaca”, de Myrtha Schalom –, exploradas por um sistema de prostituição organizado pela associação de homens judeus (que permitia saber como convencer as mulheres) com policiais e outros da sociedade carioca. Essas mulheres chegavam ao Brasil, no começo do século XX, imigrando para uma vida melhor, fugindo da Primeira Guerra Mundial e, em uma boa parte dos casos, vinham depois de seus maridos. É o caso da protagonista Rebeca (Valentina Herszage), que desembarca no porto do Rio de Janeiro com seu filho pequeno, em 1917. Ao chegar no país, já temos a exploração do seu sofrimento com o sumiço repentino da criança no meio da multidão de imigrantes e pessoas transitando. Depois de encontrar o menino, é hora de sofrer mais um pouco na fila de entrada da imigração, pois homens infiltrados entre policiais já estão de olho e escolhendo as mulheres que serão aliciadas. Daí em diante, é só tragédia mesmo. Rebeca descobre que o marido morreu sem deixar nada, é maltratada pelos seus iguais e só resta mesmo aceitar a proposta de prostituição que Tzvi (Caco Ciocler, como vilão de novela das 20h) faz a ela. Apesar da rede de apoio que as mulheres formam – chamada A Sociedade da Verdade –, isso funciona apenas como vislumbre, pois o filme perde mais tempo colocando a câmera diante do rosto com dor de Rebeca do que mostrando, por exemplo, as práticas de sobrevivência dessas mulheres que tinham tão pouco além dessa união.

O filme se perde totalmente na ânsia por colocar em cena a violência, solitária e arrebatadora, e acaba sendo só sobre isso. A quem interessa a dor pela dor? Justamente pelo tom exploratório diante da violência (sim, real) sofrida por essas mulheres nos mais diversos níveis, a construção narrativa da história em si é precária. Capenga mesmo. Atrizes muito boas como Valentina Herszage e Dora Freind (que trabalharam juntas em filmes como o ótimo Mate-me, por favor, de Anita Rocha da Silveira) soam artificiais entre conversas e gritarias sem potencial narrativo. Nada acontece. No final, depois de tanto sangue, dor, pus, dedos cortados, estupros e corpos expostos trêmulos e espiados (raramente olhamos de frente os homens, aqui só há a câmera, como se ela fosse sem gênero), duas personagens partem felizes, deixando as dores para trás. A custo de quê? Em nome do quê? Infelizmente, esse filme de terror disfarçado de drama histórico não dá nem uma pista de resposta.

 

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