Bohemian Rhapsody se propõe a reviver a história da icônica banda Queen e, especialmente, a de Freddie Mercury, interpretado com dedicação por Rami Malek. O filme se destaca pela recriação dos shows e das performances lendárias de Mercury, capturando a energia de um dos vocalistas mais carismáticos da história da música. A produção, contudo, toma liberdades criativas que modificam alguns aspectos da trajetória de Mercury e da banda, tornando a narrativa mais dramática e apelativa, mas também mais previsível.
Malek consegue canalizar a intensidade de Freddie, e é nos palcos que ele realmente brilha, reproduzindo as expressões e o estilo do cantor com autenticidade. Porém, fora dos momentos musicais, o filme peca ao simplificar a vida pessoal de Mercury e os conflitos da banda. Ao tentar condensar 15 anos de história em pouco mais de duas horas, algumas passagens acabam rasas e desconexas, o que prejudica o desenvolvimento das relações e da jornada dos personagens secundários, como Brian May (Gwilym Lee) e Roger Taylor (Ben Hardy).
As cenas de shows são o ponto alto, especialmente a recriação da performance do Live Aid, que encerra o filme em grande estilo. Essa sequência é uma homenagem apaixonada ao talento de Freddie e ao impacto duradouro da banda. O uso de gravações originais da banda intensifica a experiência e cria uma atmosfera imersiva que emociona tanto os fãs quanto novos espectadores, destacando a força das composições e a presença de palco inigualável do vocalista.
Apesar do brilho de Malek e do valor nostálgico das músicas, a narrativa sofre ao introduzir conflitos fabricados para adicionar tensão dramática. Um exemplo notável é a decisão de adiantar a revelação de que Freddie tem AIDS, criando um ponto emocional que, embora comovente, distorce os fatos históricos. Essa licença poética diminui a autenticidade da obra, afastando o filme da verdadeira história da banda.
O tom geral de Bohemian Rhapsody se divide entre o tributo e o melodrama, e em alguns momentos essa mistura não se alinha de forma coesa. A trajetória de Mercury é cheia de nuances, e o filme opta por uma abordagem mais direta, perdendo a chance de explorar a fundo a complexidade do personagem. A amizade de Freddie com Mary Austin (Lucy Boynton), por exemplo, é mostrada com carinho, mas as transformações em sua vida pessoal acabam sendo tratadas de forma superficial, deixando de capturar toda a profundidade de sua identidade e solidão.
Um detalhe divertido e que demonstra o senso de humor da produção é a participação de Mike Myers como um produtor musical que considera a canção “Bohemian Rhapsody” inadequada para tocar nas rádios. A ironia da cena remete ao clássico Quanto Mais Idiota Melhor, no qual Myers eternizou a música na cultura pop, mostrando a habilidade da produção em brincar com a própria história.
Mesmo com a reverência à música e ao estilo de Freddie, o filme não escapa de uma sensação de superficialidade. Queen era uma banda inovadora e destemida, e uma abordagem mais audaciosa poderia ter feito jus ao legado deles. Em vez disso, o filme adota a estrutura clássica de ascensão e queda, que já vimos em outras cinebiografias de bandas, limitando o alcance emocional que a história de Mercury poderia atingir.
Para os fãs, Bohemian Rhapsody entrega momentos inesquecíveis e uma trilha sonora empolgante que renova o amor pelas canções e pela banda. Mas para quem busca um retrato mais fiel e completo da vida de Freddie, o filme pode soar como uma versão polida demais, sem as nuances e complexidades que fizeram do vocalista uma figura tão cativante e única.
No fim, Bohemian Rhapsody é um espetáculo visual e sonoro que agrada como entretenimento, mas falha em capturar totalmente a grandiosidade e a complexidade de Freddie Mercury. Mesmo assim, a obra consegue ser uma celebração nostálgica da música e da persona de Mercury, lembrando-nos por que Queen é, até hoje, uma das bandas mais adoradas do mundo.