Depois de Ser Cinza

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"Depois de Ser Cinza" é um filme sobre o tédio aburguesado de quem pode ir onde e como quiser, usando o desejo como desculpa

Um roteiro com várias personagens atuantes e importantes para uma construção narrativa nem sempre é algo tranquilo de ser executado. Há uma chance grande de uma ou duas personagens se destacarem e, até mesmo, manipularem o campo de visão para si, deixando o restante funcionar como coadjuvantes apagadas. Parece que é o que acontece com Depois de ser cinza, longa de estreia do diretor gaúcho Eduardo Wannmacher e roteiro de Leo Garcia.

Na sinopse é destacado que o filme trata da história de três mulheres, com trajetórias específicas, que se relacionam com um mesmo homem: o jovem antropólogo Raul (João Campos). De fato, a narrativa e montagem do filme – se pensarmos, principalmente que cada uma das mulheres, na primeira parte do longa, dão título às partes –,  depende da apresentação de Isabel (Elisa Volpatto), Suzy (Branca Messina) e Manuela (Silvia Lourenço). Cada uma delas leva à outra, só Raul que não é levado a lugar algum emocionalmente. As três personagens estão em momentos diferentes de suas vidas e o homem atravessa essas trajetórias deixando um rastro de melancolia, mesmo que esse sentimento tente ser aplacado com a busca da resolução do desejo. Porém, isso não é o suficiente.

O que transcende no filme é que Raul é um homem ensimesmado, com suas crises  entre o amor, o desejo e o que o entrelaçamento entre esses dois pode impulsionar em práticas que estimulem a vontade de viver. Apesar da seriedade dos sintomas de quadros de depressão e ansiedade que Raul apresenta, a resolução primordial do personagem é se relacionar afetivo e sexualmente com a analista, com uma amiga muito próxima ou com uma mulher que o tira da zona de conforto. No Brasil, com a familiaridade de espaço e relacionamentos; na Croácia ou no Pará, buscando respostas: Raul quer que essas três mulheres o salvem dele mesmo e isso tudo sem nada em troca.

Todas as personagens de Depois de ser cinza são aburguesadas, no sentido do que pode se chamar de bovaristas – fazendo referência à personagem Madame Bovary, do romancista francês Gustave Flaubert –, porque sentem enorme tédio diante de vidas bem alinhadas, numa classe social bastante confortável. Todas vivem alguma espécie de falta e isso tem sua exploração no filme, o que traz alguns momentos de estímulo para quem assiste. Porém, não é suficiente para segurar a história como acontece com a personagem do século XIX, que também aplaca seu tédio com sexo e doses de boa vida (drogas, comidas e viagens).

As entrevistas com roteirista e diretor de Depois de ser cinza apontam para um cuidado em ouvir e conversar com as atrizes sobre a execução do roteiro e andamento do filme. Porém, na prática – no campo da narrativa ficcional proposta em cena –, as personagens acabam se tornando apenas vislumbres de aparatos que seguram a existência de Raul, um cara que não nos oferece quase nada enquanto personagem. Bom, talvez o filme também seja sobre isso: o tédio diante da vida de quem pode ir onde quiser e como quiser, sem maiores dificuldades.

Fotos do post são de Leonardo Maestrelli

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