Desejo e Reparação, de Joe Wright, é um exemplo brilhante de como uma adaptação literária pode preservar a essência de sua obra original enquanto explora as possibilidades do cinema. Baseado no romance homônimo de Ian McEwan, o filme é uma jornada emocional que combina beleza visual, performances impactantes e uma narrativa profundamente trágica. Wright, conhecido por Orgulho e Preconceito, aqui se arrisca em territórios mais sombrios, trazendo à tona temas de culpa, arrependimento e a irreversibilidade das escolhas.
A trama se divide em três atos principais. Em 1935, Briony Tallis (Saoirse Ronan) testemunha eventos entre sua irmã mais velha, Cecília (Keira Knightley), e Robbie (James McAvoy), o filho do caseiro, que ela interpreta erroneamente. Um crime ocorre, e Briony, motivada por ciúme e mal-entendidos, acusa Robbie, mudando para sempre o curso de suas vidas. A história avança para a Segunda Guerra Mundial e, por fim, para um epílogo devastador que encerra o filme com um impacto e tanto.
O primeiro ato é o coração do filme, onde Wright chama atenção com uma construção de tensão e diálogos afiados. A dinâmica entre Briony, Cecília e Robbie é ricamente explorada, e o uso de perspectivas diferentes para mostrar a mesma cena ajuda o público a entender a tragédia da incompreensão. A escolha de mostrar a realidade versus a percepção de Briony é simples, mas poderosa, e reforça o peso de sua decisão equivocada.
Na transição para o cenário de guerra, o filme perde um pouco de seu vigor narrativo. As cenas em Dunkirk, embora visualmente impressionantes, carecem da intimidade e do impacto emocional do primeiro ato. Um plano-sequência de três minutos na praia é tecnicamente impecável, mas ainda assim não possui o mesmo apelo dos momentos iniciais. Ainda assim, é uma forma eficaz de mostrar o caos e o desespero da guerra, complementando a história com um pano de fundo histórico marcante.
As performances são notáveis, com destaque para Saoirse Ronan, cuja interpretação de Briony jovem é inquietante e convincente. Romola Garai e Vanessa Redgrave dão continuidade ao arco de Briony com sutileza, cada uma contribuindo para a complexidade da personagem. James McAvoy entrega uma atuação dolorosamente vulnerável, enquanto Keira Knightley, apesar de ser a estrela principal, tem um papel menos central e um desempenho mais contido.
A trilha sonora de Dario Marianelli merece menção especial, com seu uso criativo do som de uma máquina de escrever como instrumento percussivo. Essa escolha inteligente reforça a ligação entre a escrita de Briony e as consequências devastadoras de suas ações, mantendo o espectador em constante tensão.
Desejo e Reparação é, acima de tudo, uma história sobre as consequências de atos impensados e a busca por redenção. Não é um filme fácil; ele exige envolvimento emocional do público e recompensa com uma experiência cinematográfica que permanece com você. É um triunfo técnico e narrativo, um conto trágico de amor e arrependimento que continua com o público muito além de seus créditos finais.