Dying: A Última Sinfonia

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“Dying: a última sinfonia” é um riso nervoso diante da vida e da morte, ambos acontecendo minuto a minuto.

Um roteiro de mais de duzentas páginas – e três horas de filme – levou o Urso de Ouro (Festival de Berlim) de 2024, encarando o ato de morrer que assombra todos os dias e, boa parte das vezes, nem nos damos conta. Dying: a última sinfonia, do alemão Matthias Glasner não pretende ser sucinto em como retratar a deslocada família Lunies. Logo no começo somos apresentadas à matriarca da família, Lissy (Corinna Harfouch), literalmente coberta de merda com o marido idoso saindo pelado para fora de casa enquanto ela tenta ligar para o filho, um maestro ocupado de meia idade. Os pais de Tom  (Lars Eidinger), o maestro, estão velhos e sem habilidades para se cuidarem. Tom e a irmã, Ellen (Lilith Stangenberg), estão vivendo seus próprios infernos astrais, com demônios adquiridos naquela mesma família. A morte (e a pulsão de morte) ronda esses personagens e é isso que o filme tenta dar conta ao som de uma sinfonia difícil de ser executada.

A divisão do filme em capítulos, que levam os nomes das pessoas da família para dar alguma unidade ao caos, afasta quem assiste de qualquer pretenso moralismo de julgamento: vamos ver tudo de quase todas as perspectivas. A disfuncionalidade das pessoas em cena é quase que previsível em qualquer ser vivendo situações de limite: a esposa idosa aliviada de ver o marido com demência finalmente internado em um asilo; o filho que, sem grandes laços maternos, não sente tristeza em saber que a mãe vai morrer (numa das conversas mais tensas e ironicamente hilárias do filme); a alcóolatra solitária que encara qualquer dose de aventura e amor que possam surgir; o homem que sonha ser pai e encara uma relação naufragada em nome disso. Aqui, na tela do filme que corre, as pessoas são tão realistas que chegamos a rir de nervoso.

Em uma entrevista ao jornal Correio da Manhã, o diretor Matthias Glasner comenta que o seu empenho em Dying: a última sinfonia  “era quebrar com as ditas convenções do cinema alemão, de narrativas frias e afetivamente distanciadas, e fazer um filme empático, acolhedor, capaz de mostrar que a antessala de espera pela morte pode ter situações divertidas”. Na prática ele não rompe com as tais convenções, algo que só sabemos porque encaramos a frieza simpática, corriqueira naquele cinema, dos personagens muito certos diante da vida e da morte, do tipo que custamos muito a ter. Uma frieza necessária, diga-se de passagem, e que justamente é o que move o filme para a frente, já que muitas vezes ele patina na intrincada teia de desgraças do roteiro. Em outras palavras, apesar do filme propor uma narrativa entre o desejo de viver (ter filhos, amar, fazer arte) e morrer (aceitar o desinteresse diante da vida e ver o corpo sucumbir ao tempo), na maior parte do tempo desfilamos pelo longa à espera de desgraças e conversas tão honestas que doem e cansam.

O ponto positivo são as interpretações como a de Lars Eidinger, uma espécie de protagonista desesperado diante da vida que parece desmoronar desde o dia do nascimento, e dos pais por Corinna Harfouch e Hans-Uwe Bauer, que além de apontarem a ineficiência da saúde pública alemã, ainda entregam a dolorida tela de escala cinza do envelhecimento. No restante,  Dying: a última sinfonia faz jus ao título – em inglês, explicado em dado momento do filme – por propôr algo em andamento, acontecendo minuto a minuto, assim como um roteiro longo que se presta em ser minucioso; o que explica o prêmio que o filme levou  justamente nessa categoria. Assista esperando o riso, aquele nervoso, difícil, mas que deve existir.

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