É Apenas o Fim do Mundo

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"É Apenas o Fim do Mundo" é o trabalho mais maduro de Xavier Dolan

É Apenas o Fim do Mundo é somente o sexto longa na filmografia de Xavier Dolan, mais conhecido por Eu Matei Minha Mãe e Amores Imaginários (este último meu predileto). Mas é com este novo filme que o diretor canadense de apenas 27 anos faz seu trabalho mais maduro, mas também o mais difícil de processar.

Jean-Luc Lagarce tinha apenas 38 anos quando morreu de AIDS, quatro anos mais velho que o protagonista de sua peça, Louis, que nesta versão cinematográfica é interpretado por Gaspard Ulliel (Saint Laurent).

No filme, Louis volta para casa, depois de 12 anos, para contar para sua família que está morrendo de uma doença que em nenhum momento é mencionada. O que ele não percebe é que eles não querem ouvi-lo, ou talvez já saibam. Para eles, depois dessa longa ausência, é quase como se Louis já estivesse morto. E como alguém nesta posição conta para sua mãe e irmãos que vai morrer?

O roteiro adaptado pelo próprio Dolan permitiu que o diretor reunisse o elenco dos sonhos francês em um único espaço: além de Ulliel, temos Nathalie Baye (que já colaborou com o diretor em Laurence Anyways), Vincent Cassel (Cisne Negro), Marion Cotillard (A Origem) e Léa Seydoux ()Azul é a Cor Mais Quente), interpretando a disfuncional família de Louis.

Dolan filma seu elenco estelar com closes quase claustrofóbicos e assim consegue libertar-se da teatralidade do material original, mesmo preservando a linguagem complicada da peça de Lagarce. O resultado é uma experiência dramática excruciante em que os personagens parecem nunca parar de falar, e quando eles fazem, Louis não consegue preencher a lacuna e confessar o que ele veio fazer.

A falta de comunicação é o ponto central de É Apenas o Fim do Mundo e embora haja uma gama enorme de críticos que amam detestar Dolan, é inegável que o diretor tem razão ao descrever este como o seu “primeiro filme como homem”. Há uma maturidade bem-vinda nesta adaptação que parecia ausente em alguns de seus filmes anteriores, conhecidos pela sua combustibilidade impulsiva.

Para muitos, em se tratando de homens gays, a coisa mais difícil que se pode imaginar é a tão falada “saída do armário”. Porém, para alguns desafortunados, o desafio é eclipsado pela necessidade de encontrar uma maneira de contar aos mesmos familiares o seu status de HIV-positivo. Esses entes queridos, na maioria das vezes, se esforçam para não julgar, mas acabam interpretando a doença como “punição por um estilo de vida errado e fora dos padrões heteronormativos” (como se só gays fossem portadores da doença).

No caso de Louis, ele está fora de casa há mais de uma década, e mantém apenas uma comunicação superficial com seus parentes: envia cartões postais em aniversários e feriados e se distancia cada vez mais deles na medida em que o tempo passa. E uma vez que os conhecemos mais a fundo, ninguém pode culpá-lo – embora o filme dependa muito do público para preencher a história da sua família disfuncional.

É muito difícil saber a intenção de Louis e não poder ajudá-lo no processo (ele revela a intenção de contar sobre sua doença e iminente morte em uma narração em off na cena de abertura). Ele chega à casa e todos parecem saber que ele tem algo importante a dizer, mas parecem determinados a impedi-lo de dar a notícia. A câmera e fotografia de André Turpin se aproxima muito dos personagens, espreme seus rostos com uma intimidade que não é nada lisonjeira, mesmo com as belezas deslumbrantes de Seydoux e Cotillard (essa a personagem mais humana e sensível do filme) e ainda ilumina tudo com uma grande opressão.

Ulliel se desfaz de seu sex appeal e faz um Louis quase apático, mas que acaba ganhando nossa simpatia (ele está morrendo, afinal!). Mas à medida que o filme se desenrola, a visita de Louis começa a parecer cada vez mais um ato egoísta, percebido por Antoine, o personagem de Cassel, que o interpreta com o mínimo de tolerabilidade que podemos aceitar e prova ser o único capaz de dizer o que realmente pensa.

Tudo explode em um confronto climático poderoso que, apesar de toda uma carga dramática pesadíssima, se mantém firme e elegante dentro dos parâmetros estéticos definidos por Dolan para o longa. Ele faz parte do gênero mais desagradável do cinema (o drama que reúne uma família disfuncional, como o Álbum de Família, com Meryl Streep), e Dolan encontra maneiras de exasperar e exaurir sua plateia com uma catarse completamente inesperada ao fim da uma hora e meia de projeção. É Apenas o Fim do Mundo é um filme que você lembrará, pela experiência que ele te faz passar, para o bem ou para o mal.

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