Esperando Acordada

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"Esperando Acordada" aposta mais no autoconhecimento do que apenas na espera de um amor

A fórmula não é novidade: uma tragédia acontece, alguém entra em coma, uma pessoa se apaixona por quem está prostrado na cama e uma série de situações inusitadas acontecem enquanto essa relação incomum se desenvolve. A sinopse pode lembrar um filme recorrente na Sessão da Tarde dos anos 90, o “Enquanto Você Dormia” (com Sandra Bullock e Bill Pullman), ou algo mais recente como “E se Fosse Verdade” (Reese Witherspoon e Mark Ruffalo, numa linha mais espiritualista), mas o francês “Esperando Acordada”, estreia da diretora Marie Belhomme, aposta mais no autoconhecimento do que apenas na espera de um amor.

Nada dá muito certo na vida de Perrine (Isabelle Carré). Apesar de ser uma musicista, ela não acredita muito em si mesma e, quase chegando aos quarenta anos, ainda se sente bastante confusa sobre sua carreira e vida afetiva. Correndo de um lado para o outro, Perrine faz um pouco de tudo: se fantasia e anima festas, toca violoncelo em asilos e topa o que aparecer. A maior preocupação dela é pagar as contas no fim do mês e encontrar um rato que anda passeando pelo seu apartamento. Não se engane sobre o rato, Perrine quer apenas capturá-lo e de forma nenhuma pensa em fazer algum mal para o bicho. Bem, isso diz bastante sobre a protagonista de “Esperando Acordada”.

Depois de um dia em que quase nada deu certo, e ela se vê perdida indo de um trabalho para outro, Perrine decide parar em um lugar para buscar informações. Vestida de “Darth Vader”, ela acaba assustando um homem desconhecido (Philippe Rebbot) e o faz cair com a cara direto em um monte de entulho, onde perde a consciência. Desesperada, liga para a emergência e sai correndo em direção ao trabalho e claro, com um grande remorso de ter deixado o homem para trás. Ao descobrir que ele está em coma, Perrine empreende uma saga rumo à motivação para se entender como protagonista de sua própria vida através da ausência de Fabrice Lunel, pessoa que ela não conhece mas passa a ocupar os espaços que antes eram dele, como forma de se retratar de algum jeito com a queda do homem.

O personagem de Philippe Rebbot passa boa parte de “Esperando Acordada” em coma, mas mesmo que involuntariamente ele é fundamental como figura na redescoberta de Perrine diante de sua própria vida. Ambos são musicistas e nas aventuras da protagonista para poder sanar a ausência de Fabrice – que ela acredita ser culpada – ela vai percebendo que não é invisível ou “quase-alguma-coisa” (costumava usar “quase violoncelista” nos anúncios de seu trabalho) como acreditava ser. Seja dando aulas para adolescentes, levando o cachorro de Fabrice passear ou tendo boas conversas com o filho dele, Perrine vai ganhando novos sentidos de viver e de se conhecer como pessoa inteira, sem “quases”.

O roteiro de “Esperando Acordada” – da diretora com Michel Leclerc – é leve e divertido, focando sempre no jeito bagunçado de Perrine se comportar e focado menos na espera do despertar do homem e mais nas descobertas da protagonista. Quase que como uma lição de autoconhecimento, o filme reforça um velho ditado de que primeiro deve-se organizar a própria casa e depois chamar visitantes. E pulando as lógicas de relacionamento, com os momentos de conhecimento mútuo, a protagonista transita pela vida completa de Fabrice e o conhece através de amigos, colegas de trabalho e familiares, enquanto ele dorme e ela permanece acordada.

Além de Isabelle Carré, que tem um estilo bem próximo do Mumblecore americano, como Greta Gerwing (“Frances Ha”) – o elenco conta com Carmen Maura, uma das grandes atrizes de Almodóvar, como nova amiga de Perrine, e se apresenta como a divertida Luci. O elenco trabalha em sintonia, até o pequeno Camille Loubens se sai muito bem com ótimos diálogos e tiradas. Afinal, um elenco que trabalhe bem junto é muito importante para que uma comédia vá além das risadas e possa realmente trazer boas reflexões.

Talvez um dos problemas de “Esperando Acordada” seja que ele não tente ir muito longe no processo de Perrine se perceber diante da sua vida, como se numa síndrome de Pollyanna – ou no caso francês, de Amélie Poulain – tudo sempre fosse magicamente resolvido. Mas de qualquer forma, a sua pequena saga em ajudar um estranho é capaz de desencadear muitas mudanças em sua vida, nos fazendo também perceber que nossa existência é intricada à vida de outras pessoas e que cada um é fundamental – e protagonista – da história de várias pessoas.

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