Depois de Gomorra, uma abordagem autêntica sobre a vida de bandidos italianos, em 2008, Matteo Garrone se distanciou sutilmente da verossimilhança. Mesmo o seu Reality – A Grande Ilusão, de 2012, uma sátira de humor negro sobre os reality shows televisivos, tinha elementos de surrealismo dentro dele. Mas foi com o seu mais recente O Conto dos Contos, uma série de três contos de fadas inspirados pelo folclorista Giambattista Basile, que Garrone deixa de vez o mundo real para trás.
Este é um mundo de ogros, monstros marinhos, adivinhos e magia, onde a transformação e o implausível – uma pulga de estimação do tamanho de um porco; uma velha murcha pode se tornar uma bela donzela jovem; gêmeos albinos nascem de diferentes mães – são comuns.
Se não te apetece que contos mágicos e irrealistas sejam apresentados como verdade, O Conto dos Contos não é um filme para você. Mas para aqueles de nós que não ligam para isso, Garrone cria um mundo de texturas tanto ricas quanto feias – visual, narrativa e imaginativamente falando – que te transporta, envolve, encanta e perturba em suas passagens.
O elenco é impecável, para começar. Garrone parece ter escolhido para os papéis principais apenas atores cujas características físicas se prestam muito bem à fantasia. Como o trio de reis renascentistas, o qual essas histórias acompanham, temos Vincent Cassel, John C. Reilly e Toby Jones, que fazem uso extremo de suas fisionomias para transmitir um senso de “outro mundo” durante o filme todo. Detalhes como um nariz adunco, uma testa proeminente ou até mesmo uma baixa estatura, trazem uma sensação intensificada de estranheza que faz muito bem à estética proposta por Garrone.
Entre o elenco principal, cabe apenas a Salma Hayek, como a rainha de John C. Reilly, o título de convencionalmente bonita. Porém, sua alma e ações são totalmente distorcidas e as mais feias entre os três, por assim dizer.
Hayek interpreta uma rainha estéril cujo desejo de ter um filho a leva a assumir riscos perigosos. Depois de seguir as instruções terríveis de um necromante, ela é finalmente capaz de gerar uma criança, porém sua camareira dá à luz simultaneamente ao “gêmeo” do menino. Posteriormente, a rainha expulsa o “filho bastardo” – apesar do fato deste se tornar o melhor amigo do filho “verdadeiro”.
Há muitos temas em jogo dentro de O Conto dos Contos, todos reconhecíveis a partir da literatura de contos de fadas: maus pais, irmãos rivais, amor verdadeiro (e desejo), barganhas com o diabo, obsessão e lealdade. O diretor mescla todos eles magistralmente, ao longo das três histórias que deleitam através do grotesco, tanto quanto do belo, encontrando até mesmo um certo fascínio com o feio. Estas não são histórias para antes de dormir, a menos que você queira dar pesadelos às crianças.
Se há uma falha em O Conto dos Contos é que suas histórias terminam abruptamente. Uma em um final quase feliz, outra nem tanto, enquanto a última termina em uma ambivalência em sua renúncia ao destino. Assista-o! Pense sobre ele! Talvez a real moral da coisa toda seja que não há finais felizes para sempre, afinal.