A comédia dramática francesa “Gemma Bovery” (Gemma Bovery, 2014) é um prato cheio para quem gosta de ler e vez ou outra acaba adotando elementos da ficção no seu cotidiano. Como bem explica o trocadilho no título do novo longa de Anne Fontaine, a trajetória da jovem Gemma dialoga com Emma Bovary, a conhecida protagonista de “Madame Bovary”, romance clássico do francês Gustave Flaubert e um marco na literatura ocidental.
A jovem Gemma é recém-casada com Charlie, que acabou de sair de outro casamento por conta da jovem. Ela sempre está entediada, acredita que falta algo em sua vida e busca isso através de aventuras, seja mudando de ares – no filme eles saem de Paris para o interior – ou encontrando novas paixões tão passageiras quanto suas alegrias cotidianas. No longa a saga de Gemma é contada através de seu diário e da memória comentada de Martin Joubert, um editor fracassado que volta para a Normandia, para continuar o ofício de padeiro, herdada pelo pai. Joubert é um exímio observador obsessivo, e como um bom fã de Literatura Realista – Flaubert era considerado pioneiro nessa escola da Literatura – cria mirabolantes interpretações para o que vê.
Um ponto interessante na forma que Fontaine usa para contar a breve saga de Gemma, é que há sempre uma instabilidade na narrativa. A forma que Joubert relata as situações que vê sempre são de um ponto de vista particular, sempre deixando dúvidas se o que acontece na tela é obra de suas obsessões ou são a realidade dos fatos. A ficção do livro de Flaubert é apenas similar às situações vividas por Gemma, quem dá créditos a isso é Martin que anda acompanhado com o livro, tentando provar que o destino fatídico e literário de Bovary pertence à sua jovem vizinha.
A inglesa Gemma Arterton – que tem caído na graça dos papéis de musa no cinema americano – está interessante como a personagem de mesmo nome, apesar de Fontaine também insistir em ângulos e olhares sensuais como se a atriz só soubesse fazer isso, falta um tanto de mistério e determinação que caberia na personagem. Fabrice Luchini como Joubert – que em 2012 fez outro papel relacionado à literatura, o ótimo “Dentro da Casa”, do François Ozon – acaba roubando a cena como o narrador entendiado, que finalmente pode ocupar seus dias com personagens da literatura.
Apesar de “Gemma Bovery” não ser nenhuma nova pérola do cinema francês, ele cumpre muito bem o papel de nos colocar diante do real e da ficção do cotidiano. A vida pode ser apenas uma sequência de fatos, instabilidades e desfechos trágicos e engraçados, mas dependendo do olhar pode ser uma grande história que merece ser recontada e reconhecida de século em século.
Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte
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