Herege

Onde assistir
Habitantes dos cantos escuros da internet, sejam muito bem-vindos a mais uma crítica cinematográfica, aqui, no Quadro por Quadro

“De porta em porta duas jovens missionárias espalham sua fé, até encontrarem o maligno senhor Reed, e agora precisam passar pela maior provação de suas vidas”.

Em um dia comum e nublado, Barnes e Paxton, duas jovens missionárias da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, estão trabalhando em sua rota, caminhando e rodando de bicicleta, buscando conversar com os moradores da comunidade sobre sua religião. Pelo teor das interações e proximidade entre as duas, dá pra perceber que a união entre elas não é apenas pela fé, mas, também, pela amizade. São personagens comuns, relacionáveis, que estão apenas seguindo com o seu itinerário, no entanto, Paxton tem um problema, ela precisa trazer alguém para sua religião, já que até agora o “placar” está em 0 pra ela, e cerca de 8 para Barnes. Por isso, elas decidem ir até mais uma residência, de alguém que demonstrou interesse anteriormente em receber uma visita da igreja. Recluso em uma bela e aparentemente pequena casa, quem atende as quase tímidas batidas na porta é um expressivo homem britânico nos seus 60 anos, o Senhor Reed. As jovens mórmons, embaixo de uma forte chuva que só piora, e a uns 6 quilômetros de sua sede, determinadas a converter aquele senhor e trazê-lo para o seu rebanho, ignoram algumas regras da religião e do trabalho, e adentram a casa de Reed sem imaginar que na realidade, ele seja um lobo em pele de cordeiro.

“This is my commitment, my modern manifesto” — Get Free, Lana Del Rey

O filme  discorre sobre religião e fé o tempo todo, seja direcionada aos mórmons, ou de maneira geral, recapitulando as mais conhecidas, tecendo críticas, às correlacionando a mitologias e folclores, envolvendo os personagens e espectadores em um debate intelectual, provocativo, bem escrito e surpreendente.

No entanto o centro da obra não é anticristão, satânico ou até mesmo “ateístico”, já que tais características se apresentam em etapas, e a cada degrau em direção ao fundo do poço, mais intrincada a história se torna, revelando novas camadas, e novos assuntos.

“But I’m a creep/I’m a weirdo” — Creep, Radiohead.

Conduzida pelo Senhor Reed, um psicopata – demasiadamente controlador – obcecado pelo tema da fé e da crença, e que diz querer criar a própria e verdadeira religião, a obra, altamente introspectiva, através de um horror psicológico angustiante, nos leva a refletir sobre questões muito importantes relacionadas às nossas crenças pessoais, os caminhos que tomamos, as concessões que fazemos, livre arbítrio, e sobre aquilo que é realmente o principal ponto de vista do vilão, o “controle”.

“(…) Eu sou o caminho para ir entre os perdidos…
A onipotência divina me criou…
Abandone toda esperança você que entra aqui” — Divina Comédia / Inferno, Dante Alighieri.

Em determinado momento da história, o personagem Reed apresenta o conceito de iteração, que significa – de maneira simples e superficial – repetir, em certos casos, como plágio ou cópia. O que se torna um elemento de metacrítica dentro do filme, já que a história se mostra como, de certa maneira, uma iteração em relação a Inferno da obra Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri. Claro que as influências não param por aí, mas, para saber mais, só assistindo a Herege.

As atuações são muito acima do esperado para “um pequeno filme de terror”, além da demonstração de crescimento da personagem interpretada por Chloe East (Os Fabelmans), as expressões faciais de Sophie Thatcher (Riqueza Tóxica, Yellowjackets), o destaque maior vai para Hugh Grant (O Diário de Bridget Jones, Wonka), que interpreta um predador em seu domínio de caça se divertindo com suas presas.

Dirigido e escrito por ambos, Scott Beck e Bryan Woods, tanto o roteiro quanto a direção são de alto padrão, praticamente irretocáveis, se não fosse, em minha opinião, os momentos finais. De toda maneira, sendo mais um excelente título no catálogo da A24.

  • Profundo e reflexivo como um mergulho em uma piscina de espelhos, Herege é uma descida ao inferno do autoconhecimento.

Com uma avaliação de 4,5 de 5, Herege é realmente um ótimo entretenimento para os entusiastas do horror, para aqueles que são atentos às produções da A24, assim como também para os fãs de Hugh Grant, em sua primeira participação em um filme de terror.

Curiosidades:

  • Sophie Thatcher, a atriz que interpreta a missionária “Irmã Barnes”, foi criada em uma família de mórmons.
  • Herege tem data de estreia no Brasil para o dia 20 de Novembro de 2024, por isso, faça como o Quadro por Quadro e assista nos cinemas.
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