Introdução à Música do Sangue

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Baseado em um argumento inacabado do escritor Lúcio Cardoso, que além de grande amigo de Clarice Lispector era conhecido por histórias com atmosferas sombrias, sempre deixando algo para acontecer, o filme Introdução à Música do Sangue deve ser levado em conta para além do que o tornou um longa metragem. Dirigido por Luiz Carlos Lacerda, o filme eleva o clima de suspense a uma série de acontecimentos levianos e situações caricatas em narrativas sobre o interior do Brasil.

Em Introdução à Música do Sangue o trio Uriel (Ney Latorraca), Ernestina (Bete Mendes) e Maria (Greta Antoine) vivem pacificamente em um sítio no interior de Minas Gerais. Uriel planta, Ernestina costura e a jovem Maria ajuda com os afazeres domésticos, até que o vaqueiro Chico (Armando Babaioff) cria um desequilíbrio nas relações dessas pessoas. É difícil resumir o filme porque ele não sabe bem para onde quer se desenvolver, se quer se inserir na representação da repressão corporal dos personagens, se quer mostrar como muitos cantos do Brasil ainda vivem longe dos dilemas urbanos ou se quer apenas flanar pela paisagem do interior mineiro.

Introdução à Música do Sangue não consegue firmar o roteiro no argumento, o olhar da câmera é masculino, repetitivo e se constrói sobre uma série de representações desgastadas. Seja da velhice, da repetição da rotina diária, seja pelo olhar voyeur obsessivo do corpo de mulher infantilizado e altamente sexualizado. Apesar de ter trinta anos, a atriz Greta Antoine tem uma fisionomia pequena e aqui se apresenta vitimizada, como um retrato batido da mulher reprimida do interior. O filme não cansa de lançar um olhar masculino para a personagem, ela é objetificada triplamente, pela câmera, pelo pai (ou quase isso) e pelo vaqueiro. A ideia de que a sensualidade e sexualidade feminina devem passar pelo desejo do homem e que a mulher, inevitavelmente, sofrerá a punição desse desejo é o tipo de representação que não cabe mais.

Apesar do esforço na fotografia de Alisson Prodlik em criar cenas contemplativas, com luz natural, que façam com que o espectador se sinta parte desse território durante o tempo do filme, não vai além disso. Diferente do que Heloisa Passos fez em Mulher do Pai, por exemplo, transformando a desolação do interior como reflexão e parte da construção dos personagens. O som extradiegético fica apenas preocupado em dar intensidade à cenas que não falam por si mesmas, talvez tentando dar ares de espetáculo sobre tragédias clássicas, repetidas ao longos dos séculos nas mais diversas artes.

Ressalto que a crítica em relação ao Introdução à Música do Sangue não parte de uma ideia de que não há um cinema excelente sendo feito no Brasil. Pelo contrário, o filme estreia no calor de excelentes produções recentes, como o já citado Mulher do Pai ou o vencedor da Mostra de Tiradentes, o longa Baronesa, em que ambos conseguem trabalhar com o corpo e espaço de uma forma questionadora e atenta, não repetindo velhas fórmulas que funcionavam há décadas atrás. Não basta um bom argumento para que um filme se mantenha firme, o olhar é que irá coordenar a narrativa e para isso é importante que os envolvidos estejam dispostos a ir além do que era válido no passado.

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