Laerte-se

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"Laerte-se", o título que transforma a protagonista do documentário em conjugação verbal, dá alusão à liberdade de ser

Enquanto uma guerra política é travada lá fora, existem muitos lares que abrigam famílias de todos os tipos, mas a que mais existe, é aquela com uma visão hereditária do que é certo e errado. As regras impostas dentro de um organismo familiar composto por homem, mulher e filhos, tende a se confundir quando qualquer outro rótulo lhe é apresentado. Isso tem a ver com aceitação. A Netflix, foi o canal escolhido para contar um pouco sobre essa aceitação, através do exemplo de vida de uma artista que se destacou ao longo do tempo, não só pelo seu trabalho, mas pela sua personalidade. Laerte-se, o título que transforma a protagonista do documentário em conjugação verbal, dá alusão à liberdade de ser.

O formato do filme que fala sobre a trans Laerte, tem uma estrutura muito convencional que talvez não combine com o tema ou com a história que está sendo contada, isso gera uma recusa inicial de não saber se vale a pena ou não continuar seguindo o cursor do streaming. Já no início, vemos uma recusa de Laerte em começar as gravações, por não se sentir segura sobre a importância do que será tratado no filme, isso dá continuidade para a linha narrativa amarrar sua conclusão lá na frente, onde a artista comenta sobre seu medo de se expressar e não se sentir porta-voz de causas maiores que ela. Nesse meio tempo, vemos um pouco de arte e como ela reflete a vida de Laerte em sua total essência. Tiras, desenhos e personagens que conversam com a mente criadora e com tantas outras pessoas que passam pelas mesmas situações.

O documentário levanta boas questões sobre o corporativismo que se cria na luta de causas de minoria. Sendo esse o mundo dos homens, onde todo o corporativismo é centrado nas regras de figuras opressoras, como as pessoas que não se encaixam nesse sistema podem coexistir? Existem quesitos a se cumprir para ser mulher, homem, gay, lésbica, trans, negro e assim por diante. Cada um desses grupos cria seu corporativismo e suas regras. Você é ou não gay o suficiente, é ou não negro o suficiente.

Um pouco invasivo, o filme tira proveito da imagem de Laerte assim como foi feito com Caitlyn Jenner nos EUA, mas não cria pudor em mostrar a intimidade da protagonista nem em seus momentos de banho e troca de roupa íntima, mas também equilibra com imagens de relações familiares, que se sustentam naturalmente e são cercadas de afeto. Beleza, velhice e a simbologia dos órgãos sexuais também são temas lindamente narrados pela desenhista. A celebração da artista porém, não supera a da personalidade que é reconhecida nas ruas e é também é referência sobre informação e conhecimento do mundo trans no Brasil.

Simples e com pouco uso de expressividade e imaginação que caberia para falar sobre o mundo trans, Laerte-se acompanha as inseguranças e verdades de uma pessoa divertida que não enxerga sua existência nem sua identidade corporal como algo que precise de rótulos, gênero ou amarrações. Tudo isso construído para gerar essa quebra de tabus entre seres humanos. Uma caminhada longa, onde os mais fortes se aventuram.

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