O longa Libertad, estreia da diretora espanhola Clara Roquet, chamou atenção em Cannes, em 2021, por ser o único filme da Espanha presente no festival. Levou, também, seis estatuetas do Goya, o prêmio mais importante do cinema espanhol. Rodado na região da Catalunha, que há tempos luta para se tornar um país independente, Libertad traz questões de gênero e classe em uma família que está passando por muitas mudanças, tornando o espaço geográfico um lugar ideal para essa narrativa se desenvolver.
O filme começa com uma cena emblemática: uma mulher abre as cortinas de uma casa, nitidamente de veraneio, enquanto chora. Essa figura é Rosana (Carol Hurtado), a empregada doméstica da família Vidal, uma mulher imigrante, vinda da Colômbia. Rosana cuida da limpeza e da matriarca Ángela (Vicky Peña), que sofre de Alzheimer. Com a casa arrumada, a família começa a chegar e vamos entendendo a situação: a mãe tem lapsos de memória em relação aos filhos e netos, mas nunca esquece de Rosana. É a partir disso que a relação entre as mulheres vivendo temporariamente nesta casa irão se metamorfosear ao longo do filme.
Quem assiste acompanha tudo pelo cotidiano de Nora (Maria Morera), de quinze anos, filha de Teresa e neta de Ángela. O tédio de verão de uma adolescente é chacoalhado pela chegada da filha de Rosana, Libertad (Nicolle García), da mesma idade, que vem da Colômbia após a morte da avó. O nome não é por acaso, pois a adolescente mexe com as estruturas da vida burguesa da adolescente. As duas irão desenvolver uma amizade complexa, com bons diálogos e performances. A interpretação de Nicolle Garcia, em simetria com a de Maria Morera, é o trunfo da diretora porque as questões de classe começam a ser delineadas justamente nas relações de poder que elas começam a perceber nessa altura da vida. Na verdade, para Libertad, as coisas já começaram a acontecer quando sua mãe teve que sair do país quando ela tinha seis anos.
Além de se chamar “liberdade” – aludindo ao substantivo e também ao nome próprio –, o filme traz uma história de amadurecimento com foco nas duas adolescentes, mas que em um plano mais profundo é possível ouvir os ecos de tudo que está acontecendo dentro dessa casa de verão. A diretora vai montando cenas em cada cômodo da casa, assim como fora dela, na cidade, na praia e no barco da família. Em todo lugar de Libertad podemos presenciar a tensão que existe entre pessoas que, cada uma em seu espaço, não estão dispostas a abrir mão de sua individualidade. Apenas Libertad e Nora estão inclinadas a discutir e dividir o espaço. Onde elas podem ir sozinhas? O filme oferece uma visão panorâmica de como relações privadas compõem todo um contexto mais amplo.
Libertad é um filme de observação, onde é possível perceber, em um recorte específico de tempo e espaço, como as relações são interseccionadas e munidas de poder. A resposta de quem pode ir até onde talvez traga o sentido de liberdade.
