Lilith

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O longa brasileiro "Lilith" propõe uma ressignificação da imagem da primeira mulher, antes de Eva.

O nome de Lilith no senso comum sempre trouxe ideias de traição, impureza, sedução e até mesmo de imprecisão mitológica. Há quem defenda que ela é apenas uma menção na bíblia e há quem a coloque como a primeira mulher ao lado de Adão, mas que não compactuando em ser inferior a ele, renuncia ao seu lugar no tal Paraíso, sendo a primeira a causar a ira dos homens. A figura de uma mulher que antecede Eva sempre causou burburinho, seja por questões morais e/ou religiosas, seja pelo fascínio de um mito fundador ter uma personagem mulher tão polêmica. Do Fausto, de Goethe, a nomes de bandas de punk feministas, Lilith está presente no imaginário. O filme brasileiro Lilith, de Bruno Safadi, vem para engrossar o caldo simbólico dessa figura, com a excelente Isabél Zuaa (filmes como Joaquim e Kbela) no papel da primeira mulher poeta, artista e questionadora do lugar imposto ao que se chama de feminino, se pensarmos em uma lógica binária, a qual boa parte das histórias sobre a personagem refutam.

Lilith é um longa que alia vários elementos técnicos funcionando em favor de um filme na tênue fronteira entre o cinema experimental e uma narrativa que tenta funcionar em prol da vontade de ressignificação do mito. O roteiro assinado por Safadi, Vera Egito e Fabio Andrade trabalha apoiado na ressignificaçãoimagética de Lilith operando entre uma fidelidade de época – roupas, ambiente de montanha, natureza e a quase mínima presença de diálogos –, e  elaborações revisionistas como Lilith ser uma mulher negra, uma poeta que encara Adão e age a favor de seu próprio prazer, inclusive optando pela sua partida daquele lugar dividido com um homem tão precário.  Quando surge Eva (Nash Laila) percebe-se que ela vem para ocupar um lugar de subalternidade mas, como se fosse inescapável, também começa a perceber a sua inadequação, evocando Lilith como um duplo.

A montagem de Lilith, assinada por Karen Akerman, dialoga com o cinema experimental, colocando em tela não apenas uma simbologia que remete às ideias de feminino e masculino, oposições ou complementos, mas também que construa uma espécie de narrativa que não entregue um roteiro de contação de história, mas que nos coloque em experiência imagética. O que faz um par interessante com a fotografia de Lucas Barbi, que usa, em vários momentos, a técnica de “noite americana”, apontada pelo próprio diretor, conseguindo fazer cenas noturnas de dia e criando um aspecto de luz primordial, muito antes da iluminação urbana.

Além da performance excelente de Zuaa, a fotografia e a montagem do filme são os ritmos que garantem que Lilith não seja apenas uma re-visão de um mito que aponta, inicialmente, uma punição para mulheres que não aceitam os seus papéis no espetáculo bíblico. Adão, interpretado por Renato Góes, é uma figura relutante desde o princípio, sempre buscando respostas e reivindicações para um deus – simbolizado como uma luz em uma caverna e não aquele que está em toda parte. O filme propõe que Lilith exista lado a lado com Eva em um mundo que Adão decidiu, desde o princípio, seguir sozinho.

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