Lulu, Nua e Crua

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Baseado na HQ francesa de Etienne Davodeau, Lulu Nua e Crua (2013), dirigido pela islandesa – porém com uma filmografia francesa – Solveig Anspach, é uma ode à liberdade de uma mulher que encontrando uma série de pessoas imersas em suas idiossincrasias acaba fazendo a maior das grandes descobertas: quem ela é.
Lulu se torna impetuosa após uma entrevista malfadada para voltar a trabalhar depois de pelo menos 18 anos e três filhos. O diálogo entre ela e o entrevistador é desconfortável até mesmo para o espectador. O homem é arrogante e a trata como a senhora entediada em crise de meia idade. Antes de voltar para casa, Lulu toma a decisão de passar a noite na cidade litorânea de Saint-Gilles-Croix-de-Vie e descobre que há muitas coisas que não sabe sobre si mesma e decide tomar as rédeas – apenas com as roupas do corpo e sem dinheiro algum – de sua vida, nem que seja por alguns dias.
É saindo de sua zona de conforto que Lulu se depara primeiro com a solidão, o necessário sentimento de se estar consigo mesma, sem os ruídos externos e cobranças do cotidiano. Depois é encontrando pessoas peculiares com as quais ela se vê membro importante nas relações, alguém que dá e que recebe. As estranhezas dos encontros de Lulu com pessoas solitárias, que vivem em mundos diferentes do seu como dona-de-casa-e-esposa fazem o espectador criar simpatia pela personagem, é acolhedor vê-la crescer conforme vai se libertando e descobrindo algo novo no meio dessa viagem.
As locações de Lulu Nua e Crua são fundamentais para que o longa se desenvolva. No período em que o filme se passa na cidade litorânea há um ar de melancolia e existencialismo, sempre em tons de cinza, grafite e roxo, mas há também uma aura de comédia e descobrimento lembrando, inclusive, os primeiros trabalhos de outro francês, Jean-Pierre Jeunet.
Dando uma passeada pelos quadrinhos de Lulu Nua e Crua é possível perceber como a personagem ganhou ares de empoderamento feminino nas mãos de Solveig e sua equipe. Não apenas pela diretora ser mulher e com um belo histórico de personagens fortes – além dela mesma ter lutado durante anos contra um câncer de mama e, infelizmente, ter falecido esse ano – mas por todo o cuidado, desde produção e roteiro até os enquadramentos que reforçam o crescimento da personagem, mérito também da performance da protagonista.
Ter como personagem central uma mulher de meia idade, fugindo dos padrões de ficção da jovem em busca da sua própria identidade, é uma ousadia. Karin Viard – conhecida pelos excelentes Delicatessen e Polissia – incorpora Lulu na sua forma encantada de ver e confrontar as situações. A culpabilização da mulher que abandona uma vida “estável”, os filhos e o marido, algo tão comum quando se refere a homens, é tratada de forma suave e contrária ao senso comum em Lulu Nua e Crua.
Em determinado ponto do filme a protagonista encontra uma jovem que trabalha em um café, tem uma auto-estima baixa e é constantemente subjugada pela chefe. Lulu passa a convencer a jovem do seu potencial, de que deve assumir a sua própria vida, causando uma pequena revolução. É aí que ela sabe que já pode voltar para casa, e o espectador entende que a protagonista não é mais a mesma do começo do filme e principalmente, que essa pequena trajetória valeu a pena, assim como os 85 minutos de filme.

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