“Mundo Deserto de Almas Negras” trabalha com inversões. O longa é um thriller político estilizado, cujo pano de fundo mostra o racismo enraizado na estrutura da sociedade brasileira, enquanto funciona como uma crítica bem construída a ela.
No filme, em uma São Paulo na qual o centro é negro e a periferia, branca, Oscar, um jovem advogado, precisa entrar em um presídio com celular escondido, mas é assaltado no trânsito e torna-se alvo de uma busca implacável por parte dos mandantes do crime, a Fundação.
O filme critica, mas também faz um jogo de representações e inversões: tudo que é branco em nossa realidade, no filme é negro. E a partir daí as hierarquias culturais mudam, mas evidenciam os problemas sociais tão conhecidos por nós em nossa realidade.
O espectador se sentirá desconfortável com as escolhas do filme, mas elas servem justamente para nos tirar da zona de conforto e brincar com as representações de gênero às quais estamos acostumados. E a profusão de inversões em relação ao dito “normal” está presente no filme todo, com uma produção impecável, garantida por uma direção de arte, fotografia e figurinos dignos de Hollywood.
Com facilidade, o filme discute a criminalidade das grandes metrópoles, o racismo enraizado em nossa sociedade (mas que a grande maioria finge que inexiste) e a corrupção política. Advogados, femme fatales, assassinos e políticos fazem parte do desfile de personagens de um Brasil que reconhecemos, mesmo com suas cores alteradas nesta espécie de distopia.
Filmado quase inteiramente na Faculdade Zumbi dos Palmares, “Mundo Deserto de Almas Negras” se mostra consistente em sua proposta, competente em sua produção independente e supera facilmente outros longas nacionais que pecam justamente pela falta de coragem nas tramas que tentam contar.