Em O Agente Secreto, Kleber Mendonça Filho retorna ao período sombrio da ditadura militar brasileira para construir um drama político que é, ao mesmo tempo, íntimo e grandioso. Ambientado em 1977, o filme acompanha Marcelo (Wagner Moura), um professor de tecnologia que deixa São Paulo para recomeçar a vida em Recife, tentando fugir de um passado turbulento. Mas, como é comum na obra de Kleber, o espaço que parece acolhedor logo se revela outro palco de paranoia, violência e observação constante.
A atmosfera do longa combina a opressão da espionagem cotidiana com a efervescência do Carnaval, criando um contraste entre festa e repressão. Marcelo, que busca refúgio, descobre que a cidade vibra em ritmo de tensão, em que todos parecem vigiar uns aos outros. A sensação de estar sempre sendo observado é traduzida por Kleber em planos que se estendem, em movimentos de câmera pacientes, lembrando o estilo de Profissão: Repórter, de Antonioni, no qual a lentidão constrói suspense e inevitabilidade.

Wagner Moura entrega uma atuação contida e complexa, encarnando um homem que não é um herói clássico nem um militante fervoroso, mas alguém empurrado para os limites por um sistema que devora até os que tentam se manter neutros. Essa ambiguidade faz de Marcelo uma figura profundamente humana, mais próxima de um sobrevivente que de um combatente. Ao seu redor, personagens secundários surgem como retratos de uma sociedade marcada pelo medo, pelo oportunismo e pela corrupção entranhada em cada camada.
A construção narrativa é quase literária, privilegiando a atmosfera e os encontros inesperados em detrimento de uma progressão linear típica de thrillers. Kleber passeia por diferentes tonalidades: o drama político, a comédia de costumes, o surrealismo carnavalesco e até o terror urbano. O episódio do tubarão e da perna humana, que gera boatos e pânico popular, é um exemplo da maneira como o filme traduz a violência política em fábula grotesca, revelando como regimes autoritários alimentam e se alimentam da imaginação coletiva.
Visualmente, o filme impressiona com uma recriação meticulosa da época, em cores saturadas e composições que lembram tanto o cinema novo quanto ecos de Sergio Leone. Essa fusão estética dá ao longa uma força que ultrapassa a reconstrução histórica, criando um universo próprio em que o real e o alegórico caminham lado a lado.

Ainda que não seja um suspense convencional, O Agente Secreto sustenta-se na habilidade de Kleber em estender a tensão, permitindo que cada cena respire e revele nuances inesperadas. A participação de figuras excêntricas, como a de um alfaiate estrangeiro perturbado, interpretado por Udo Kier, adiciona camadas de estranhamento que reforçam o caráter fragmentado e fascinante da narrativa.
No fim, O Agente Secreto é uma produção que exige paciência do espectador, mas recompensa com a densidade de seus personagens, a ironia de seu humor sombrio e a precisão com que conecta a repressão política do passado com ecos perturbadores do presente. O filme confirma Kleber Mendonça Filho como um cineasta capaz de transformar paranoia em poesia e violência em reflexão e coloca o Brasil, mais uma vez, na corrida do Oscar (com grandes chances).




