O sucesso de O Bom Pastor é um testemunho da popularidade dos musicais entre 1930 e 1960. Não há nada de especial ou memorável no primeiro de dois filmes a apresentar o padre Chuck O’Malley, de Bing Crosby (Natal Branco). Mesmo assim, o filme foi um sucesso nas bilheterias e levou o Oscar de Melhor Filme daquele ano. Embora O Bom Pastor mereça estar na lista dos vencedores superestimados do Oscar, o motivo de ter vencido é possivelmente por ter resistido ao pior dos anos. Pode-se entender as razões pelas quais O Bom Pastor foi tão amado em seu lançamento, mas ainda assim não o torna impressionante visto através de um prisma dos dias atuais.
O problema mais gritante é aquele que os cineastas não poderiam ter previsto. A produção, não diferente de outras de sua época, celebra a vida dos padres. Isso refletia a opinião pública geral; mesmo os não católicos os tratavam com respeito e dignidade. O sacerdócio era considerado uma vocação digna e os sacerdotes tinham a confiança de quase todos. Cerca de 80 anos depois, a situação mudou bastante. Os escândalos sexuais que assolam a Igreja nas últimas décadas afetaram a opinião pública em relação aos padres (feliz de Spotlight: Segredos Revelados, que acabou levando o Oscar por falar de um dos escândalos, em 2016). Eles não são mais vistos como modelos de virtude e integridade. Hoje, um filme como Dúvida tem muito mais ressonância, enquanto O Bom Pastor parece irremediavelmente ingênuo.
O protagonista, Padre O’Malley, parece um personagem pensado pelo “marketing” da Igreja Católica. Ele é bom demais para ser verdade – um traço que faz do personagem irreal e leva o filme junto no mesmo barco. No filme, ele é um padre de Saint Louis, convidado pelo “bispo” para ir à cidade de Nova York e supervisionar a revitalização da paróquia de St. Dominic. O pastor atual, Padre Fitzgibbon (Barry Fitzgerald, de Depois do Vendaval), ressente-se da chegada do Padre O’Malley no que ele considera ser seu território e saúda as ideias inovadoras do jovem com desdém mal disfarçado. Por fim, porém, o padre Fitzgibbon amolece e passa a respeitar e confiar no padre O’Malley. O novo sacerdote também dá várias contribuições valiosas para a comunidade como um todo. Ele incentiva um grupo local de jovens a concentrar seus esforços em cantar, em vez de roubo ou vandalismo. E ele nutre um romance entre um jovem banqueiro (James Brown, de Um Punhado de Bravos) e uma cantora ainda mais jovem (Jean Heather, de Pacto de Sangue). Ao longo do caminho, Padre O’Malley canta algumas músicas, incluindo uma canção de Natal e a vencedora do Oscar de Melhor Canção: Swinging on a Star.
O sucesso de O Bom Pastor levou à produção da mencionada sequência, mas Os Sinos de Santa Maria já estava em preparação antes mesmo do lançamento do primeiro longa. A única conexão entre os filmes é que ambos apresentam Crosby no mesmo papel. Uma pena, pois tudo que é mais interessante aqui está justamente nos demais personagens.
O Bom Pastor é dramaticamente inerte. A falta de qualquer conflito convincente torna a produção longa e um tanto tediosa. Sim, há momentos em que a música eleva a energia da coisa toda – mesmo aqueles que não reconhecem as músicas (como eu) ficarão pelo menos encantados com os vocais fortes e melódicos de Crosby – mas O Bom Pastor poderia ter usado pelo menos o dobro dos números musicais. Visto hoje, o filme parece uma produção pitoresca e antiquada que poderia ter sido esquecida há muito tempo. Se não fosse pelo Oscar de Melhor Filme, provavelmente teria sido.
O diretor Leo McCarey (Cupido é Moleque Teimoso) ganhou seu segundo prêmio de melhor direção pelo filme. A carreira de McCarey começou na era do cinema mudo e atingiu seu apogeu durante a década de 1930, quando trabalhou com quase todos os artistas conhecidos em Hollywood. Ele é mais lembrado por dirigir Duas Vidas, de 1939, e sua refilmagem mais conhecida, Tarde Demais para Esquecer, de 1957 (um de seus últimos filmes). Em termos de prêmios e resposta crítica, O Bom Pastor e sua sequência, representaram o melhor momento de McCarey.
Entender porque a produção teve uma recepção tão favorável em 1944 requer consideração não apenas de como as preferências mudaram ao longo dos anos, com a imensa fama de Bing Crosby diminuindo ao longo do tempo e o gênero de drama musical caindo em desuso, mas também do humor que o público buscava no filme. Quando ele estava em produção, os Estados Unidos estavam profundamente envolvidos na Segunda Guerra Mundial, e a vitória não era uma certeza. O Bom Pastor estreia em maio de 1944, um mês antes do Dia D. Os frequentadores dos cinemas naquela época não estavam interessados em dramas, mas em escapismo. Uma história sobre um padre de bom coração ajudando as pessoas era o tipo de produção amplamente aceita em meio a tantos conflitos globais.
O Bom Pastor não envelheceu muito bem e sua vitória no Oscar é quase embaraçosa, mas as circunstâncias atenuantes tornam compreensível como este filme venceu concorrentes tidos como mais dignos naquele ano, como Pacto de Sangue e À Meia Luz.