O Bom Pastor (1944)

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"O Bom Pastor" não é o mais memorável dos ganhadores do Oscar

O sucesso de O Bom Pastor é um testemunho da popularidade dos musicais entre 1930 e 1960. Não há nada de especial ou memorável no primeiro de dois filmes a apresentar o padre Chuck O’Malley, de Bing Crosby (Natal Branco). Mesmo assim, o filme foi um sucesso nas bilheterias e levou o Oscar de Melhor Filme daquele ano. Embora O Bom Pastor mereça estar na lista dos vencedores superestimados do Oscar, o motivo de ter vencido é possivelmente por ter resistido ao pior dos anos. Pode-se entender as razões pelas quais O Bom Pastor foi tão amado em seu lançamento, mas ainda assim não o torna impressionante visto através de um prisma dos dias atuais.

O problema mais gritante é aquele que os cineastas não poderiam ter previsto. A produção, não diferente de outras de sua época, celebra a vida dos padres. Isso refletia a opinião pública geral; mesmo os não católicos os tratavam com respeito e dignidade. O sacerdócio era considerado uma vocação digna e os sacerdotes tinham a confiança de quase todos. Cerca de 80 anos depois, a situação mudou bastante. Os escândalos sexuais que assolam a Igreja nas últimas décadas afetaram a opinião pública em relação aos padres (feliz de Spotlight: Segredos Revelados, que acabou levando o Oscar por falar de um dos escândalos, em 2016). Eles não são mais vistos como modelos de virtude e integridade. Hoje, um filme como Dúvida tem muito mais ressonância, enquanto O Bom Pastor parece irremediavelmente ingênuo.

O protagonista, Padre O’Malley, parece um personagem pensado pelo “marketing” da Igreja Católica. Ele é bom demais para ser verdade – um traço que faz do personagem irreal e leva o filme junto no mesmo barco. No filme, ele é um padre de Saint Louis, convidado pelo “bispo” para ir à cidade de Nova York e supervisionar a revitalização da paróquia de St. Dominic. O pastor atual, Padre Fitzgibbon (Barry Fitzgerald, de Depois do Vendaval), ressente-se da chegada do Padre O’Malley no que ele considera ser seu território e saúda as ideias inovadoras do jovem com desdém mal disfarçado. Por fim, porém, o padre Fitzgibbon amolece e passa a respeitar e confiar no padre O’Malley. O novo sacerdote também dá várias contribuições valiosas para a comunidade como um todo. Ele incentiva um grupo local de jovens a concentrar seus esforços em cantar, em vez de roubo ou vandalismo. E ele nutre um romance entre um jovem banqueiro (James Brown, de Um Punhado de Bravos) e uma cantora ainda mais jovem (Jean Heather, de Pacto de Sangue). Ao longo do caminho, Padre O’Malley canta algumas músicas, incluindo uma canção de Natal e a vencedora do Oscar de Melhor Canção: Swinging on a Star.

O sucesso de O Bom Pastor levou à produção da mencionada sequência, mas Os Sinos de Santa Maria já estava em preparação antes mesmo do lançamento do primeiro longa. A única conexão entre os filmes é que ambos apresentam Crosby no mesmo papel. Uma pena, pois tudo que é mais interessante aqui está justamente nos demais personagens.

O Bom Pastor é dramaticamente inerte. A falta de qualquer conflito convincente torna a produção longa e um tanto tediosa. Sim, há momentos em que a música eleva a energia da coisa toda – mesmo aqueles que não reconhecem as músicas (como eu) ficarão pelo menos encantados com os vocais fortes e melódicos de Crosby – mas O Bom Pastor poderia ter usado pelo menos o dobro dos números musicais. Visto hoje, o filme parece uma produção pitoresca e antiquada que poderia ter sido esquecida há muito tempo. Se não fosse pelo Oscar de Melhor Filme, provavelmente teria sido.

O diretor Leo McCarey (Cupido é Moleque Teimoso) ganhou seu segundo prêmio de melhor direção pelo filme. A carreira de McCarey começou na era do cinema mudo e atingiu seu apogeu durante a década de 1930, quando trabalhou com quase todos os artistas conhecidos em Hollywood. Ele é mais lembrado por dirigir Duas Vidas, de 1939, e sua refilmagem mais conhecida, Tarde Demais para Esquecer, de 1957 (um de seus últimos filmes). Em termos de prêmios e resposta crítica, O Bom Pastor e sua sequência, representaram o melhor momento de McCarey.

Entender porque a produção teve uma recepção tão favorável em 1944 requer consideração não apenas de como as preferências mudaram ao longo dos anos, com a imensa fama de Bing Crosby diminuindo ao longo do tempo e o gênero de drama musical caindo em desuso, mas também do humor que o público buscava no filme. Quando ele estava em produção, os Estados Unidos estavam profundamente envolvidos na Segunda Guerra Mundial, e a vitória não era uma certeza. O Bom Pastor estreia em maio de 1944, um mês antes do Dia D. Os frequentadores dos cinemas naquela época não estavam interessados ​​em dramas, mas em escapismo. Uma história sobre um padre de bom coração ajudando as pessoas era o tipo de produção amplamente aceita em meio a tantos conflitos globais.

O Bom Pastor não envelheceu muito bem e sua vitória no Oscar é quase embaraçosa, mas as circunstâncias atenuantes tornam compreensível como este filme venceu concorrentes tidos como mais dignos naquele ano, como Pacto de Sangue e À Meia Luz.

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