Desde o começo de sua carreira – assim como a de muitas pessoas que dirigem filmes na Polônia desde meados do século XX – Agnieszka Holland tem trazido histórias que se embrenham na situação política, não apenas de seu país mas também de outros vizinhos europeus que passaram pelas duas grandes guerras e seus resultados. O longa mais recente, O Charlatão, vem acompanhado do antecessor Mr. Jones e os dois acabam criando uma sequência de filmes com um forte teor anticomunista, o que parece ser uma espécie de tendência para algumas pessoas realizadoras da região.
O Charlatão tenta contar a história de um famoso curandeiro tcheco, Jan Mikolásek (Ivan Trojan), atuante principalmente durante o regime comunista que seguiu a segunda grande guerra. O filme se esforça para mostrar Jan não apenas como um curandeiro desde a juventude, mas também tenta associar a prática de uma pseudociência com a atuação soviética daquele momento. As práticas de eficácia questionadas pelas ciências – como a ingestão da própria urina e remédios feitos à base de ervas – são usadas para construir um paralelo entre a enganação da cura e o discurso de igualdade autoritária do regime.
Porém, a proposta cai por terra várias vezes durante o filme. A própria construção de Mikolásek como personagem acaba se tornando apenas um recurso para a construção do discurso anticomunista. Para poder atacar o regime soviético, a história narrada em O Charlatão opta por criminalizar práticas de medicina natural e construir um discurso de charlatanismo. Claro que é possível construir críticas no entorno do abuso de poder de Mikolásek diante de suas prescrições de tratamento – e ganho de dinheiro – mas a narrativa se esforça para mostrar suas alianças corruptas com homens do estado, se esforçando na criminalização. Além de tudo, o longa usa a homossexualidade de Jan e a relação conturbada com o próprio assistente, que também é amante, como uma metáfora do que se enxerga como repressão dentro do comunismo vigente.
Mesmo que O Charlatão tenha as qualidades já conhecidas do cinema de Holland, como uma fotografia pontualmente bem feita (aqui abusando dos tons de amarelo e verde para dar a ideia de época, assim como certa sisudez do personagem), o filme aponta mais para uma crítica capenga ao comunismo e uma criminalização enviesada de práticas de medicina natural, borrando fronteiras entre ela e o charlatanismo. A direção e o roteiro parecem mais preocupados em ser eficientemente anticomunistas ao invés de apresentar as complexidades de personagens. Vale a pena ressaltar dois dos últimos filmes de outro diretor polonês, já falecido, o Andrzej Wajda, que em Walesa (2013) e Afterimage (2017) também pensa personagens conhecidos daquele lugar vivendo a complexidade das políticas pós-guerra e pré queda soviética, trazendo construções mais eficientes para uma uma discussão crítica do século XX.