Em O Clube das Mulheres de Negócios, Anna Muylaert transforma um clube de campo paulista em um microcosmo político e social onde os papéis de gênero estão invertidos. O resultado é um filme que transita entre comédia, sátira política e thriller, explorando questões de poder, corrupção e desigualdade em uma narrativa ousada e provocativa.
A premissa inicial subverte os papéis tradicionais, colocando mulheres em posições de poder e homens em papéis tradicionalmente femininos, criando uma inversão que vai além do riso fácil. Muylaert filma corpos masculinos de maneira sexualizada, invertendo o “male gaze” e destacando a fragilidade masculina no universo distorcido do filme. Contudo, os estereótipos femininos que imitam comportamentos masculinos problemáticos também estão sob os holofotes, criando uma crítica afiada às dinâmicas de poder.
O elenco é um dos grandes trunfos do filme. Cristina Pereira, Louise Cardoso e Irene Ravache entregam performances que transitam entre o humor e o drama com naturalidade. Luís Miranda se destaca como Jongo, um fotógrafo negro que enfrenta tanto a condescendência quanto o racismo explícito, destacando questões de classe e raça de maneira sutil, mas impactante. Rafael Vitti, por sua vez, representa a ingenuidade e a superficialidade de Candinho, equilibrando o tom satírico da obra.
A transição da comédia para o thriller é um dos momentos mais marcantes do filme. A introdução das onças como elemento disruptivo acrescenta um toque surrealista, remetendo a clássicos como Jurassic Park. Essas cenas criam uma atmosfera de tensão que contrasta com o tom inicial, embora a mudança abrupta para o horror possa parecer um pouco forçada para alguns.
Muylaert utiliza essa inversão de papéis e o elemento de perigo para criticar o capitalismo e o poder corrompido. As cenas em que as onças destroem simbolicamente as elites oferecem uma metáfora poderosa sobre o colapso inevitável de um sistema que se devora. No entanto, a escolha por um realismo mais visceral em algumas dessas cenas diminui o impacto satírico e afasta o filme de sua proposta cômica inicial.
Mesmo com suas mudanças de tom, o filme permanece acessível e provoca reflexões profundas sobre gênero, classe e poder. Muylaert consegue equilibrar um discurso politizado com uma narrativa envolvente e visualmente interessante. A cena final, que desinverte os papéis de gênero, serve como um convite ao público para continuar discutindo as camadas do filme mesmo depois que ele acaba.
O Clube das Mulheres de Negócios reafirma a capacidade de Muylaert de combinar temas complexos com uma abordagem popular. Embora não seja tão direto quanto Que Horas Ela Volta?, o filme utiliza a comédia e o absurdo para engajar um público amplo, provando que o riso pode ser uma poderosa ferramenta de crítica social. É uma obra que, mesmo com alguns desequilíbrios, merece ser vista e debatida.