O Jovem Karl Marx

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Em "O Jovem Karl Marx" Raoul Peck retrata o filósofo alemão com maestria e didatismo fundamental

Muito provavelmente Karl Marx seja um dos pensadores que esteja mais presente nas ideias de senso comum – assim como Nietzsche, por exemplo – porém é um dos menos lidos e compreendidos, de fato. O trabalho de Raoul Peck em O Jovem Karl Marx é fundamental para se ter uma noção básica e didática sobre as ideias primordiais, desenvolvidas pelo jovem alemão desde a metade do século XIX.

Aos 26 anos, Karl Marx (August Diehl) está em exílio, na França, com a esposa Jenny (Vicky Krieps), pois nesse momento já não media esforços para ser bastante incisivo em suas ideias. O fervor da juventude do pensador é mostrada sem pudores, Karl não é um homem fácil de se lidar e o momento é propício para que ele divulgue seus escritos entre seus pares. Claro que isso foi possível também pelo fato de Jenny vir de uma família de grandes posses e, assim como Marx, acreditar no que estavam fazendo. Com o apoio da esposa e de Friedrich Engels (Stefan Konarske) – quem Marx conhece em Paris – foi possível que pudesse, de fato, desenvolver seus conceitos no entorno da ideia de Capital e a forma que ele age sobre o trabalho e o trabalhador.

O Jovem Karl Marx abre com a imponente e perturbadora cena de camponeses recolhendo lenha em uma floresta, com uma voz narrando as noções de propriedade, coleta e roubo, e sendo punidos por estarem invadindo e roubando madeira morta de um território privado. Nessa altura de 1843, Marx já publicava polêmicos textos em jornais alemães e era ameaçado o tempo inteiro. Os movimentos em favor do proletariado não eram novidade, muitos relacionados ao comunismo e linhas anarquistas. Porém, foi com Engels e Marx que muitos conceitos utópicos foram colocados em pauta – e frequentemente contrastados – e por isso, provavelmente, suas ideias foram as que permaneceram nas discussões ao longo do século XX, seguido até hoje.

O realizador Raoul Peck, que já tinha mostrado uma boa parte de sua força com o documentário Eu não sou seu negro, se preocupa com vários pontos que poderiam ter sido esvaziados de sentido por outros realizadores. Ele, por exemplo, não deixa de fora a importância de Jenny e Mary (Hannah Steele), companheiras de Karl e Friedrich, mesmo quando a própria história as negligenciou. Peck também mostra, incipiente como era na época, a participação do proletariado negro nas reuniões dos movimentos. A própria relação de Engels e Marx é retratada de forma homossocial, quase romântica em muitos momentos, mostrando a força de uma amizade, para além dos interesses teóricos que ambos tinham.

Mesmo que pareça por demais didático em muitos pontos, O Jovem Karl Marx é um longa que sabe usar isso a seu favor. Em tempos que a história e a filosofia são bradadas repletas de mentiras e falsas interpretações, um filme que mostra como dois pensadores conseguiram imprimir suas ideias em um contexto de grandes crises de poder e ideologia, é de grande importância. Nem Marx, muito menos Engels, são mostrados como salvadores ideológicos, repletos de razão. Pelo contrário, são invadidos pelas misérias do mundo e do pensamento daquele momento, mostrados com honra e erro em todos os momentos que suas vidas são retratadas. Seguindo o ritmo de seu documentário anterior, Raoul Peck não poupa conceitos, muito menos críticas, e o principal, continua dando voz para seu personagens históricos, deixando que sejam retratados por si mesmos. Cabe a nós decidir se vamos querer ouvi-los e trazê-los para nossos presente, para que a história não volte a se repetir nem como tragédia, muito menos como farsa.

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