É inevitável a comparação: O Paciente Inglês pode ser chamado de Casablanca do final do século XX.
O Paciente Inglês ofereceu aos cinéfilos de 1996 o mesmo nível de inteligência, sofisticação e paixão arrebatadora que o clássico de Bogart-Bergman em 1942. Vemos uma trágica história de amor retratada de maneira muito inteligente, sem perder o coração – descrito pelo personagem-título como “um órgão de fogo” – que queima tanto quanto o sol do deserto.
O filme se passa em dois momentos, quase no fim da Segunda Guerra Mundial ou próximo ao começo dela, dependendo da memória de um piloto gravemente queimado cujo avião foi abatido sobre o Saara na África durante os dias finais da guerra. Com amnésia e possuindo apenas um volume de história grega que contém chaves para o seu passado, o piloto – identificado apelas como Paciente Inglês (Ralph Fiennes, o Voldemort, da franquia Harry Potter) – é levado para um mosteiro em ruínas na Toscana, um refúgio improvisado onde é cuidado por Hana (Juliette Binoche, de Godzilla), uma enfermeira franco-canadense que teme que qualquer pessoa que ela ame morra.
Hana lê para seu paciente e assim vai despertando suas memórias, levando o filme para frente e para trás no tempo, fornecendo-nos detalhes que irão montar um grande quebra-cabeça de almas perdidas, antigas e contemporâneas, procurando, e às vezes encontrando, a chama da emoção da descoberta.
É um quebra-cabeça repleto de mistérios que vai gradualmente tomando forma. Voltando aos dias pré-guerra, vemos que “Paciente Inglês” é apenas o seu “nome atual” – na verdade trata-se de Conde Laszlo de Almasy, que na verdade é húngaro. Um linguista e explorador que lidera uma expedição geográfica às profundezas do Saara. A equipe é acompanhada pelo aristocrático entusiasta da aviação Geoffrey Clifton (Colin Firth, de Kingsman: Serviço Secreto), recém casado com Katherine (Kristin Scott Thomas, de O Destino de uma Nação), uma estudiosa e pintora que instantaneamente chama atenção de Almasy. Eles permanecem discretamente atraídos, mas suas histórias e seus corações se tornarão irrevogavelmente interligados.
No mosteiro, o amor também floresce entre Hana e Kip (Naveen Andrews, de Sense8), um especialista em desarmamento de bombas que parece ser a prova irrefutável da suposta maldição de Hana sobre amores mortos. O Paciente Inglês abusa da tensão sobre os deveres de Kip, assim como nos perigos do deserto e um mistério adicional em Caravaggio (Willem Dafoe, de Assassinato no Expresso do Oriente), um ladrão cuja própria história trágica está intimamente ligada à de Almasy.
Alegadamente o complexo romance de Michael Ondaatje foi comprimido e reestruturado, mas nunca deixando de lado a essência do romance. O escritor e diretor Anthony Minghella (mais conhecido por O Talentoso Ripley) fez um brilhante trabalho de adaptação, e até mesmo os fãs mais ferrenhos do romance apreciaram os sacrifícios narrativos de Minghella, na época. Com 162 minutos, o filme leva todo o tempo necessário para contar sua história de identidade, honra e traição.
Se a paixão do filme parece às vezes mais intelectual do que verdadeiramente sincera, é apenas porque somos desafiados a acompanhar a montagem do quebra-cabeça que o filme revela – um esforço que não fica sem recompensa ao final da projeção. Através de um microcosmos, Minghella junta as histórias dos seus personagens com o todo da guerra, para assim chegar a uma espécie de cura e libertação. O diretor abusa de um elenco e uma equipe incomparáveis para trazer camadas e mais camadas de beleza visual e profundidade emocional.
Poderia ser apenas mais um drama de guerra ensurdecedor, mas Minghella – com total apoio e cooperação do autor do romance – navegou em uma constante de sentimentos verdadeiros. Ele encontra esses sentimentos aqui, em meio ao caos da guerra e à turbulência do coração humano.