O Rei Leão começa com uma das aberturas mais emblemáticas da história do cinema: ao som de “Circle of Life”, animais da savana se reúnem para saudar o nascimento de um novo príncipe. A sequência é arrebatadora, não só pela animação fluida e imponente, mas pela carga simbólica que carrega. Em poucos minutos, já está claro que estamos diante de uma narrativa com ambição mitológica, ainda que contada em um formato acessível a todas as idades.
Depois do humor frenético e quase caótico de Aladdin, a Disney aposta aqui em algo mais solene, quase como uma releitura de Bambi, com traços do épico e do melodrama. A trajetória de Simba — o leãozinho que precisa encontrar seu lugar no ciclo da vida após a morte do pai — é repleta de símbolos arquetípicos e ressonâncias emocionais. Mufasa, dublado com majestade por James Earl Jones, representa não só uma figura paterna, mas uma conexão espiritual com a ordem natural das coisas. E quando essa ordem é rompida, a jornada do herói começa de verdade.
O contraponto ideal a essa jornada é Scar, um vilão de fala arrastada, charme venenoso e olhar amargurado. Com uma performance vocal memorável de Jeremy Irons, Scar é quase um vilão shakespeariano, evocando o ar de conspiração de Hamlet. Ele não apenas causa a tragédia central da trama, como assume o trono e transforma o reino num reflexo sombrio de sua própria alma. É um personagem complexo, carismático e absolutamente inesquecível.
Embora o humor fique por conta de figuras como Timão e Pumba, e até mesmo das hienas (Whoopi Goldberg, Cheech Marin e Jim Cummings, hilários e caóticos), esses momentos cômicos são mais leves do que provocativos. Depois do gênio de Robin Williams, é verdade que qualquer alívio cômico pareceria mais modesto — mas Timão e Pumba funcionam bem dentro do tom do filme, ajudando a suavizar os momentos mais densos e oferecendo a filosofia despreocupada do “Hakuna Matata”.
Se há uma fragilidade em O Rei Leão, ela está nas músicas que compõem o restante da trilha sonora. Tirando “Circle of Life” — poderosa em letra, arranjo e impacto — e a energética “Be Prepared”, os demais números soam como tentativas mornas de imitar o espírito de um musical da Broadway. Felizmente, a força visual do filme compensa isso com folga: as cores acompanham os arcos emocionais de Simba, os cenários são grandiosos e poéticos, e a animação alcança um nível de expressividade raro, até mesmo dentro do alto padrão Disney.
Há uma beleza tocante na forma como Simba é retratado: um leão que carrega a força de um rei, mas também a fragilidade de um garoto em luto. A dualidade entre o instinto e a responsabilidade é trabalhada com delicadeza, tornando sua evolução algo que vai além da redenção pessoal — é a aceitação do próprio destino, da dor e do legado. Quando Simba finalmente assume seu lugar na Pedra do Rei, o filme atinge um clímax emocional que transcende o rótulo de “animação infantil”.
O Rei Leão é um daqueles filmes que parecem falar diretamente com nosso inconsciente coletivo. Ele aborda temas profundos como perda, identidade, culpa e renovação com sensibilidade e grandiosidade. Mais do que um desenho, é uma fábula moderna com alma de tragédia clássica — e com coração de leão.