O Retorno

Onde assistir
“O Retorno”: A odisseia humana de Ulisses sem deuses

Algumas histórias são tão poderosas que se tornam eternas a partir da primeira vez que são contadas. Esse é o caso da Odisseia, o poema de Homero que conta as aventuras de Ulisses em sua volta para casa, depois da Guerra de Tróia. Em O Retorno, temos a oportunidade de assistir a uma versão adaptada do poema estrelado pela dupla Ralph Fiennes, no papel principal, e Juliette Binoche, como sua esposa Penélope.

Ulisses está de volta à Ítaca. Finalmente o herói retorna ao lar, porém apenas para encontrá-lo à beira da miséria, com bandidos disputando seu trono e ameaçando sua família. A esposa, Penélope, aguarda esperançosa por sua chegada, mas teme pela segurança do filho e a sua própria, pois logo não conseguirá mais se esquivar dos hediondos pretendentes, e será forçada a se casar novamente. Ulisses precisa decidir se irá reivindicar sua posição de rei legítimo, e expulsar os invasores, trazendo novamente uma guerra para sua vida, ou se deixará que o destino do reino siga sem ele.

A primeira cena do filme dá o tom para todo o resto dele: vemos Ulisses despido de tudo aquilo que um dia já indicou que ele é o mais astuto de todos os campeões gregos. O personagem aparece nu na praia de Ítaca. Não existem deuses, legiões para comandar, ou uma guerra para ser travada. A vida não poderia ser mais real do que neste momento. Logo a solidão do retorno dá lugar ao companheirismo, pois ele é ajudado por um antigo servo e começa a voltar a si. A necessidade de fazer parte daquilo novamente é tão grande, que ele chega a comer a terra da ilha. Ainda assim, nenhum deus é louvado ou culpado, uma escolha ousada, pois na versão original da história, praticamente nenhum passo é dado pelos personagens sem que uma deusa ou deus se alegre ou se zangue com o feito, fazendo questão de imprimir suas graças ou irá sobre os mortais. A ausência de qualquer indício religioso se mantém até o fim da trama, o que faz dela completamente humana. Talvez uma das cenas que mais traduz essa questão é o encontro de Ulisses com seu cachorro Argo, que desde sua partida o espera na porta do castelo. Argo é um animal fiel, ele acredita no retorno do dono, e quando isso acontece ele morre com seu dever cumprido. É nessa situação que Ulisses percebe que está de volta e precisa tomar decisões sobre seu futuro.

Filmado principalmente na Grécia, o que o diretor Uberto Pasolini conseguiu fazer foi se afastar das produções hollywoodianas, e apresentar um filme que se destaca por quão verídico consegue ser. A angústia, o medo, as incertezas, a força dos personagens participantes do enredo é, por uma lado, Homérica, como deve ser, e ao mesmo tempo muito próximo ao que uma pessoa de carne e osso sentiria e faria numa situação semelhante. Além disso, a simplicidade do cenário, do figurino, da trilha sonora, contribui de forma muito positiva para toda essa atmosfera.

Você também pode gostar...