O Retrato de Norah

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"O Retrato de Norah": O poder de existir através da arte

Dirigido e roteirizado por Tawfik Alzaidi, O Retrato de Norah é o primeiro filme da Arábia Saudita a integrar a mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes, em 2024. Com delicadeza e coragem, o longa revela as tensões de uma sociedade moldada pela tradição e pelo silêncio imposto às mulheres. Filmado em uma região desértica e isolada, o cenário traduz a sensação de clausura e opressão que permeia o universo interior de seus personagens.

A trama tem início com a chegada de Nader (Yagoub Alfarhan), um professor vindo da cidade, a uma pequena aldeia do deserto. Enviado pelo governo para ensinar leitura e escrita às crianças (somente aos meninos), ele enfrenta a desconfiança dos moradores, que veem a educação e a arte como ameaças à ordem religiosa e cultural. Entre suas tarefas cotidianas, Nader frequenta discretamente a mercearia local, onde conhece Norah (Maria Bahrawi), uma jovem órfã criada pela tia e prometida a um casamento arranjado. Clandestinamente, Norah compra revistas internacionais, que se tornam sua janela para o mundo. Sonhadora e curiosa, ela vive o conflito entre a opressão cotidiana e o desejo de descobrir o que existe além das fronteiras da aldeia.

A conexão entre os dois se estabelece quando o irmão de Norah, aluno de Nader, ganha como prêmio um retrato desenhado pelo professor. Encantada com o desenho, a jovem pede que ele a retrate também, um gesto simples, mas arriscado em uma sociedade que exige invisibilidade feminina. Nos encontros secretos na mercearia, escondida sob a burca, Norah revela apenas os olhos, e é por meio deles que o filme expressa a tensão entre repressão e liberdade, desejo e proibição. As cenas nesse espaço são especialmente potentes: sem poder se olhar abertamente, eles conversam sobre cinema, música e arte, tudo aquilo que lhes é negado, sobretudo às mulheres. O filme, assim, explora o poder da arte e da educação como formas de resistência silenciosa.

O professor, também artista reprimido, torna-se catalisador da transformação interior da jovem, que começa a imaginar outros mundos possíveis. Alzaidi constrói essa narrativa com ritmo contemplativo, sustentado por silêncios expressivos, olhares carregados de significado e pela paisagem árida.

Através da possibilidade do retrato, Norah encontra uma forma de existir, de ser vista e de se reconhecer. O filme, que combina delicadeza estética e crítica social, transforma-se em um manifesto sobre a força da arte diante da opressão e sobre a urgência da emancipação feminina no Oriente Médio. O olhar de Norah, curioso, poético e desafiador, é o retrato simbólico de uma geração que, mesmo sob véus e silêncios, ousa sonhar com a liberdade.

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