Oppenheimer

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“Oppenheimer” é um filme de Christopher Nolan em cada quadro

Nos primeiros momentos de “Oppenheimer”, somos apresentados a J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), um estudante de física americano que cursava pós-graduação na Inglaterra e na Alemanha na década de 1920. Ele continua tendo visões de partículas e ondas. Vemos as imagens que perturbam sua mente, as partículas pulsando, as ondas brilhando em faixas vibratórias de luz.

Oppenheimer pode ver o admirável mundo novo da mecânica quântica, e o visual de tudo é exatamente o tipo de coisa que você esperaria de um filme escrito e dirigido por Christopher Nolan: um show de luzes como um reflexo do que se passa interiormente com o seu protagonista.

Mas mesmo quando “Oppenheimer” se estabelece em um ritmo mais realista e menos fantasmagórico (o que acontece em seguida), continua sendo um filme de Nolan em cada quadro. Você sente isso de maneira inebriante, densa e vertiginosa, sempre que ele faz o seu vai-e-vem cronológico, abusa do psicodrama, faz a característica exposição científica, mostra as traições políticas e faz sua história escrita com raios – não mera metáfora aqui, já que o filme, conta a história do homem que criou a bomba atômica – pode quase parecer como se fosse sobre a invenção do raio para os desavisados.

Cillian Murphy entrega uma atuação fenomenal como Oppenheimer, tornando-o fascinante e multifacetado. Seu “Oppie” é um homem elegante – ao mesmo tempo que é um prodígio e um humanista ardente, um aristocrata e um mulherengo, um forasteiro judeu que se torna um americano consumado e um homem que supervisiona a invenção de armas nucleares sem um pingo de dúvida ou remorso, apenas para confrontar o mundo que ele criou por trás de um escudo defensivo de culpa que é bastante autoconsciente.

Murphy, usando o chapéu de abas largas, marca registrada de Oppenheimer, está no centro de quase todas as cenas, e ele se imprime em sua imaginação. O filme precisa disso, porque “Oppenheimer” é uma peça implacável e reluzente de cinema maximalista que você assiste no limite do seu discernimento.

Fissão nuclear significa a liberação de energia que ocorre quando o núcleo de um átomo é dividido, e Nolan concebe “Oppenheimer” como um ato de fissão cinematográfica. Ele fragmenta a história em partes que continuam colidindo, nos emergindo no calor e na energia que tudo emite enquanto você assiste.

O filme abre com um vislumbre sobre a audiência da Comissão de Energia Atômica dos EUA, em 1954, que acabou resultando em Oppenheimer, acusado (entre outras coisas) de ter laços comunistas ocultos, sendo despojado de seu certificado de segurança. Essa foi a maneira do governo de silenciá-lo, já que no mundo pós-guerra ele havia se tornado um problema na questão das armas nucleares, uma visão que não combinava com a postura agressiva dos Estados Unidos na Guerra Fria. A audiência foi o capítulo mais sombrio da vida de Oppenheimer, e usá-la como um estopim dramático parece, a princípio, uma coisa muito comum de se fazer.

Exceto que o filme continua voltando para a audiência, utilizando-a profundamente no tecido de suas três horas de duração. Lewis Strauss, interpretado com uma concisão burocrática cativante por Robert Downey Jr., é o presidente da comissão que se tornou inimigo ideológico e pessoal de Oppenheimer, e ele é a força secreta por trás da audiência, que ocorre em uma sala dos fundos escondida da imprensa.

Enquanto Oppenheimer se defende diante de um comitê de juízes, o filme usa seus depoimentos para voltar no tempo, e Nolan cria uma estrutura narrativa hipnótica de várias camadas, usando-a para revelar as redes ocultas que moldaram a vida de Oppenheimer e a criação da bomba, construindo um crescendo de sensações que culmina perto do fim do longa.

O momento mais radicalmente autêntico do filme pode ser o qual Oppenheimer, logo após a derrota dos nazistas, explica a uma sala cheia de jovens cientistas o motivo dele achar que ainda é justificável usar a bomba no Japão. Todos nós conhecemos a lição dogmática que aprendemos no ensino médio: jogar aquelas bombas em Hiroshima e Nagasaki acabou com a guerra e salvou a vida de inúmeros soldados americanos. Desde então, nunca comprei a lógica do argumento. Mas eu compro o que Oppenheimer diz aqui: que, usando uma arma nuclear, criaríamos uma demonstração terrível do motivo que ela nunca poderia ser usada novamente. (Não é bem uma justificativa. É uma explicação de porque isso aconteceu.)

Mas o Oppenheimer que passa a lutar contra a invenção da bomba de hidrogênio mais poderosa, como se fosse uma arma totalmente diferente daquela que ele criou, e que está desesperado para controlar a existência de armas nucleares em geral, é o porta-voz que o filme termina. E de certa forma, apesar de todo o seu fervor, ele é o mensageiro errado.

Oppenheimer, é claro, tinha todo o direito de ser assombrado pela arma que havia criado. Mas também possuía uma espécie de ingenuidade masoquista, esquecendo-se da lição-chave da revolução em que esteve no centro: o ser humano sempre estará à mercê do que a ciência torna possível. “Oppenheimer” aborda uma mensagem apocalíptica sobre como o mundo pode ser destruído por armas nucleares. Mas se Oppenheimer, à sua maneira, fez a bomba sobre ele, nesse ponto é Nolan e seu filme que estão fazendo a mesma coisa.

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