Phoenix

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A lenda da ave Fênix, oriunda da mitologia grega, conta que após sofrer auto-combustão e passado algum tempo, ela consegue renascer a partir das próprias cinzas. A figura da fênix é recorrente na cultura popular e usada como símbolo de renascimento e superação. “Phoenix” (Phoenix, 2014), do alemão Christian Petzold, é a representação sensível e admirável do mito da ave que encontra forças em uma simbólica morte para o regresso.
Não é necessário dizer muito para contextualizar a Segunda Guerra Mundial como uma das maiores atrocidades do século XX. Em “Phoenix”, ao invés de se tratar dos temores no cotidiano da Guerra – que aliás muitos filmes já fizeram bem – é o pós-guerra que funciona como cenário. Nelly Lenz é uma cantora judia que sobreviveu ao campo de concentração a um preço altíssimo, teve seu rosto desfigurado por queimaduras de alto grau. De volta à uma Berlim devastada, acompanhada da grande amiga Lene, Lenz busca lidar com sua identidade diante do espelho e da vida antes da Guerra. Ganhando um novo rosto – interessante como o médico diz que é melhor escolher um novo e assim ganhar uma vida nova – ela sai em busca do marido, que Lene acusa de ter entregado Nelly a S.S., ela se vê em uma encruzilhada entre ir para longe, junto com outros compatriotas judeus, ou buscar por Johnny.
Apesar do horror da guerra estar intrinsecamente ligado ao corpo de Nelly, são poucas as vezes em que ela se refere ao vivido. Em um único momento de rememoração mais profunda, numa verborragia de frases e sentimentos, ela relata uma cena com outras mulheres todas nuas, sentadas em uma madeira estreita, observando outras que estavam chegando. Há algo de desumano no relato, claro que há. Talvez a situação de subjugação dessas pessoas confinadas, ou ainda a certeza que não foi apenas o rosto e a identidade que a jovem Nelly perdeu no campo de concentração, mas também a dignidade de ser uma humana.
“Phoenix” vai além de um retrato sensível do pós-guerra. No ano em que se completam meio século do fim do conflito, o longa apresenta a situação de Nelly e Johnny como metáfora de reconstrução e renascimento. A traição é como um motivo condutor para que o enredo se desenvolva, mesmo que algumas situações pareçam forçadas como obras do destino ou simples coincidências, tudo é conduzido de forma natural, há uma beleza que prende o espectador em acompanhar as passagens de estágios para que Nelly volte a ser detentora de si mesma.
A atriz Nina Hoss tem um longo histórico de trabalho com o diretor Christian Petzold e isso fica claro na forma que ela fica à vontade diante da câmera, deixando que os ângulos mostrem a forma em que ela vai crescendo desde a desfiguração até o renascimento, cantando “Speak Low”, de Kurt Weill e Ogden Nash, o hino de uma fênix renascida. Hoss também se relaciona muito bem com Nina Kunzendorf, a amiga Lene, as duas são antagônicas e complementares entre si, conduzindo cenas profundas e reflexivas com seus diálogos sobre permanência e motivações para viver.
Depois de uma grande guerra, de um massacre, de quase se estar morto, é possível voltar a ter a mesma vida e ser a pessoa de antes? Nelly acaba se tornando um duplo de si mesma, apesar de sua nova identidade – aquela reconhecível como sua através dos olhos dos outros – a jovem mulher guarda todas as dores de antes somadas as de agora. Em “Phoenix” são as ironias que vão dando às cartas para que a história se desenvolva. Assim como acontece em “Vertigo” (1958) de Alfred Hitchcock ou na ideia de “O Duplo”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, Nelly vai se reconstruindo das cinzas não para ser uma simples e mesma versão de antes, mas uma renovada – repleta de cicatrizes – e principalmente, mais certa e forte que a anterior.

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