Reflexão não é para qualquer um. Por ter um ritmo próprio, pode gerar uma carga extra de aflição em pessoas ansiosas. É preciso desacelerar e IR ATÉ O FIM para entender o que o filme propõe. E será realmente necessário refletir para conseguirmos compreender o que move Serhiy, o personagem principal.
O diretor, Valentyn Vasyanovych nos insere na narrativa de forma sutil. Quando damos conta, estamos presos em uma jaula emocional. Ora observando cenas de tortura, ora sendo torturados com seus enquadramentos aprisionantes. Valentyn sabia o que estava fazendo quando filmava Reflexão. Ele sabia exatamente o que queria provocar. Ele nos transforma em voyeur, e nos obriga a observar com um distanciamento desconfortável, como se não tivéssemos permissão para estar ali.
Essa sensação é construída cena após cena, culminando com o prazer de observar misturado com culpa e vergonha. Culpa porque somos forçados a refletir sobre valores pessoais que geralmente ignoramos. E vergonha porque mais cedo ou mais tarde nos identificamos com o confuso Serhiy. Gostaria de acrescentar que a maneira como cada um de nós lida com temas relacionados à dominação e submissão, pode determinar nosso posicionamento emocional em relação ao personagem principal.
A guerra é o plano de fundo da história, mas ReflexãoReflexão é muito mais do que isso. Sobre ela, a guerra, tenho consciência que minha interpretação do filme está totalmente contaminada pelo meu estilo de vida burguês, que nunca passou por nada do tipo. O máximo que posso dizer sobre a guerra é que ela gera dor. Mas essa dor eu não consigo transcrever, nada em minha experiência me preparou para isso.
Nasci e cresci em uma sociedade cristã, onde é errado não se compadecer com o sofrimento alheio. Entretanto, depois de anos assistindo filmes e séries que mostram mortes e violência, a imagem da guerra se banalizou. Ela já não provoca o que deveria provocar. E falar disso é um tabu. É melhor dizer que nos importamos com ela, mesmo não sendo verdade. Nossa sociedade talvez esteja condenada a esse falso moralismo, onde estamos anestesiados, incapazes de sentir empatia.
Nossa mente fala que a guerra é um assunto difícil. Mas nós nunca saberemos de fato o que é passar por ela. Temos uma ideia. Uma concepção abstrata construída em imagens distantes. É uma construção bastante pessoal, que varia de pessoa para pessoa. Acredito que Valentyn também queria nos tirar dessa anestesia.
O efeito disso é a angústia. E algumas pessoas, como já mencionei, podem se sentir mais incomodadas do que o normal. É culpa do imediatismo em que vivemos, onde tudo é muito rápido. Mas como a tortura é feita com método e de forma demorada, somos obrigados a desacelerar. É como se estivéssemos amarrados, podendo olhar apenas para uma única direção. Provavelmente uma representação da psiquê de Serhiy.
É raro podermos assistir filmes como Reflexão. Nós estamos perdendo o hábito de apreciar o silêncio, o vazio, e o corriqueiro. No fim, quando o filme acaba, não sei se agradeço pela experiência ou sinto raiva pela sensação de passar 2 horas amarrado, imóvel e angustiado. Terminei com o corpo e a mente pesados. Mas ainda assim eu o recomendo para todos vocês.
É um filme que promove uma vivência única e incomum. Se você for forte e aguentar até o fim sem ceder ao impulso de mexer no celular, você terá vivido uma daquelas experiências para se gabar com os amigos em uma mesa de bar. Até porque você não vai conseguir esquecer esse filme tão cedo.