Big Jato

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O que "Big Jato" tem de encantador é a transposição para a tela da magia no olhar dos que vivem no interior do Nordeste

O diretor pernambucano Claudio Assis tem um histórico importante no cinema brasileiro depois da Retomada. Sempre controverso, trouxe à tona filmes fortes e críticos como Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Febre do Rato. Agora, adaptando o livro Big Jato do cronista Xico Sá, ele mantém vários elementos já conhecidos do seu cinema, mas dessa vez em um filme mais metafórico, leve e que trata dos rituais de transição de um menino no Vale do Cariri.

Entre fósseis do período Cretáceo, o caminhão do pai que dá jeito nos dejetos humanos da população de Peixe de Pedra e a sonoridade d’Os Betos (a banda que, pasmem, influenciou os Beatles), Xico é um menino incomum em um lugar quase esquecido do Ceará. O garoto que está na zona limítrofe entre a inocência e a crueldade da adolescência, tem que lidar com o gosto proibido pela poesia (artista é vagabundo) e a necessidade de suprir a expectativa do pai para o seu futuro.

Além da família cheia de peculiaridades, Xico ainda tem a dualidade entre o pai que acredita na recompensa do trabalho e o tio – ambos interpretados por Matheus Nachtergaele – que é uma espécie de anarquista, um bon vivant que é radialista, usa muitas expressões em um inglês enrolado, mas que nunca conseguiu sair do pequeno vilarejo. O tio inicia o garoto nas artes, na música e na liberdade, já o pai o coloca na roda da vida, onde as tradições são mantidas e resta apenas a aceitação de um ciclo que apenas se repete de geração em geração. Big Jato é sobre essas dualidades, sobre como o jovem garoto vai contornando a torrente de informações e assim construindo sua própria identidade e conceito de liberdade.

O que Big Jato tem de encantador é a transposição para a tela da magia no olhar dos que vivem no interior do Nordeste, da oralidade do cotidiano e da forma mística de encarar a realidade. Aqui a configuração da região árida com as histórias milenares dos fósseis, que são parte da mis en scene desse cenário real, se fundem nas memórias de Xico que narra – de forma não pontual – essas memórias de sua história. O fato do autor ser cronista colabora muito para que o enredo tenha seus contornos dramáticos, porém divertidos. Já conhecido pelo seu tom satírico e escrachado, aqui o estilo de escrita de Xico Sá casou bem com a mão de Cláudio Assis, que soube traduzir bem os personagens coadjuvantes peculiares do livro.

Apesar do acerto na aposta de tons oníricos – reforço a presença de Jards Macalé, em um personagem bem ao estilo de Ariano Suassuna – o longa não mantém um clima uniforme, tirando o foco do protagonista Xico e dando demasiada ênfase em Matheus Nachtergale. O exímio ator, que trabalha com Claudio Assis desde o começo de sua carreira, aqui tira a centralidade da narrativa, que deveria ser o garoto e a sua escolha pela poética como identidade. Além do mais, sem tirar os méritos estéticos do livro e suas construções, o filme reforça bastante personagens estereotipados, como prostitutas e as mulheres que estão no entorno do garoto – uma cena de uma adolescente sexualizada, por exemplo, totalmente desnecessária – mostrando algumas falências no discurso já conhecido do diretor.

Mas mesmo que Big Jato se pareça – ou mesmo reforce estereótipos – com muito da produção pós Retomada, retratando o interior do sertão e dos vilarejos esquecidos do Nordeste, ele também acerta nesse investimento da memória nas histórias locais e mesmo do realismo fantástico tão presente na América Latina. É um longa afetivo, quase que um sonho sobre a transição da infância e a escolha de nossas próprias identidades.

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