O Vale do Amor

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"O Vale do Amor" tenta se construir como um filme sobre a superação da morte em busca de respostas que nem sempre são palpáveis e claras

Desde a década de 1980 que os franceses Gérard Depardieu e Isabelle Huppert não atuavam juntos em um longa. Em O Vale do Amor, de Guillaume Nicloux, os dois atores que começaram no cinema francês, mas foram bastante ativos também no cinema americano, estão na limiar entre a realidade e a ficção, oferecendo uma de suas melhores atuações em um filme um tanto pretensioso, porém com excelentes diálogos.

Gérard e Isabelle são pais de Michael, que cometeu suicídio há alguns meses, deixando uma carta com instruções para que os dois fossem ao Vale da Morte (deserto do Mojave, na Califórnia) afim de reencontrá-lo. O tom metafísico da carta e do cumprimento do pedido coloca O Vale do Amor em uma fronteira entre uma jornada pela superação da perda e uma resolução de conflitos de relacionamento entre um casal que, aparentemente, deixou muitas pontas soltas no decorrer das décadas. Não sabemos quem é Michael apesar de sua onipresença. No decorrer do filme vamos construindo uma determinada imagem através dos diálogos entre os protagonistas e as cartas deixadas.

O Vale do Amor tenta se construir como um filme sobre a superação da morte em busca de respostas que nem sempre são palpáveis e claras. Nicloux opta por elementos mais oníricos para criar correspondências com a busca dos protagonistas em compreender a perda do filho, uma perda que começava na infância e foi se construindo ao longo da vida de Michael. Questões como maternidade e paternidade são colocadas em jogo, os pais artistas foram se desapegando do filho até que a sua morte culminou em um rompimento de ambos com a realidade, aqui se veem em um deserto literal mas de forte significado quanto às suas angústias reais.

Apesar de ser um filme mais construído sobre os sentidos dos signos – todos os planos contém elementos que incitam algum olhar cuidadoso do espectador – e por isso um longa que exige mais cuidado e atenção, ele possui também a qualidade dos diálogos entre Huppert e Depardieu. O ator francês, hoje radicado polemicamente na Rússia, há tempos não exibia ao espectador uma atuação tão interessante, já Isabelle é sempre incrível e aqui traz uma interpretação de alguém que está prestes a ruir.

Nicloux explora de forma bastante natural e interessante tanto Gérard, Isabelle e o espaço físico do deserto, místico por si só. Alia no conjunto o real, o fictício da história proposta e o onírico das situações que se desenvolvem e andam bem juntas. Mas apenas isso também não torna O Vale do Amor uma obra-prima ou um longa redondo que se justifica sozinho, embora consiga nos propor uma série de questionamentos e reflexões, sem fechamentos ou interpretações simplistas. Tentando flertar com diretores como David Lynch ou mesmo Leos Carax, o francês vai jogando com a construção da narrativa e inserindo elementos fantásticos que podem funcionar como dispositivo de dúvida tanto para o espectador – imerso na realidade fora do filme – quanto para os protagonistas que buscam sentido nesses elementos. Afinal, quem nunca esperou uma resposta inexplicável para dar sentido à realidade?

Mesmo concorrendo à Palma de Ouro em Cannes do ano recorrente, O Vale do Amor é um filme irregular, que abriga uma série de questionamentos pertinentes porém pretensioso e repleto de pontas soltas. Mas talvez seja por isso mesmo que consegue funcionar bem diante do espectador que se aventura, entre a comicidade, o trágico e o fantástico, buscando o inexplicável da vida real.

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