Um Filme Dramático

Onde assistir
Crianças de uma escola pública do subúrbio de Paris mostram como seria esse lugar a partir de suas narrativas coletivas.

filme visto durante a 9ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba

Quando sentamos para assistir um filme, o que esperamos como pessoas espectadoras? Sobre o quê um filme deve ser? Quais perspectivas deve atender, quem pode olhar e para onde olha essa pessoa? Parecem questões muito básicas sobre cinema mas há alguns filmes que nos fazem trilhar outro caminho quando sentamos diante da tela, ainda mais se tratando de uma que está fora do cinema convencional, como acontece nesse momento em que acompanhamos festivais de cinema pela tela do computador. Talvez por tudo isso que Um Filme Dramático, do diretor franco-americano Eric Baudelaire, tenha mais impacto do que teria num mundo pré-covid 19. O longa produzido em parceria com uma escola pública no subúrbio de Paris, em St. Denis, coloca a narrativa e a captação de imagens na mão de crianças ao longo de quatro anos, um trabalho coletivo de um espaço pequeno que mostra o impacto dos acontecimentos políticos e sociais na vida de crianças e adolescentes.

O ano de 2015 foi quando aconteceu uma série de atos terroristas na França, muitos deles na vizinhança de St. Denis e particularmente perto da escola Dora Maar. Nesse mesmo ano a escola, fundada pela própria comunidade, começava as filmagens do que seria, em um primeiro momento, a relação de alunos/as com esse espaço, algo para se guardar como produção artística feita por eles. Porém, numa região habitada por famílias originárias de tantos países colonizados, em diáspora e em situação de exílio, como que essas crianças não seriam afetadas por suas condições de estrangeiras, mesmo dentro do país que nasceram?

Nós que assistimos, vamos cedendo às imagens propostas, sejam pelas ruas da comuna, pela escola que parece ser habitada apenas por alunos/as ou pelas cenas filmadas em períodos de férias ou mudança, como o que acontece com uma das meninas. É inevitável que com a passagem dos anos – que não ficam nítidos na montagem do filme – aconteçam mudanças na vida dessas personagens, porém é percebido um laço entre eles, tornando a feitura do filme algo que faz parte do seu processo de crescimento. Para nós é como um retrato, muito particular, de uma geração que cresce sabendo exatamente onde estão as fissuras do continente em que vivem.

Um dos pontos mais instigantes em Um Filme Dramático – e que se relacionam com o título – são os diálogos travados entre as crianças-adolescentes. Morando no subúrbio de Paris, no 93 arrondissement, muitas delas são de famílias migrantes e se mostram muito atentas ao que está acontecendo ao redor. Dois dos meninos, um de família romena e outro marfinense, têm diálogos potentes sobre identidade, origem e racismo. Há também ótimos diálogos sobre o que é fazer um filme, se o que estão fazendo é ficção ou documentário. Não há concordância, mas não havendo adultos em cena se propõem a ouvir e dialogar, dando um vislumbre positivo de futuro.

O diretor, em entrevista no canal do festival Olhar de Cinema, conta sobre a potência de filmar esse grupo de alunos e de como entregavam diálogos e formas de ver o espaço ao seu redor com construções entre a crítica e a inocência. Uma cena emblemática é quando sobem em um lugar alto da região e bastante distante vê-se uma ponta da famigerada torre eiffel, símbolo da capital do país. A cidade, tão presente nas narrativas do cinema, é bela apenas de longe. Na única vez que a câmera chega perto dos arredores da capital vemos apenas pessoas em situação de rua sendo recolhidas. As cenas são seguidas com uma das conversas mais honestas sobre imigração, entre um adulto e uma pré-adolescente.

Um Filme Dramático é montado usando um material vasto produzido em um período de quatro anos, e nem sempre as escolhas de cenas e diálogos correspondem com nossa impaciência espectadora. Porém, é inevitável o diálogo com o momento pandêmico. Por um lado nos lembra das possibilidades de futuros por perspectivas transnacionais e interseccionais, por outro traz a velha premissa certeira de construir no coletivo, na possibilidade de colocar em telas outras narrativas, olhares e noções. O cinema não precisa ser sempre igual.

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