Enquanto todos os olhos voltam-se para as ondas de refugiados que chegam à Europa, o documentário “Ta’Ang” do chinês Wang Bing nos lembra que migrações igualmente trágicas estão acontecendo em outros lugares do mundo. O documentário se torna um tratado de duas horas e meia sobre uma minoria étnica que se desloca da guerra que devasta Mianmar para as cidades fronteiriças da China, em busca de abrigo. “Ta’Ang” é um filme lento, mas ainda assim visualmente interessante.
Wang – cujo trabalho anterior foi sobre pessoas marginalizadas na sociedade ou na história chinesa – de alguma forma caiu no gosto daqueles que apreciam um cinema “verdadeiro”, mais lento, e com temáticas mais culturais. O assunto do filme, assim como a forma como o diretor resolveu mostrá-lo, garante uma longa vida a ela em festivais e circuitos cults.
“Ta’Ang” começa com uma cena muito familiar a filmes sobre refugiados: um homem uniformizado, presumivelmente um guarda de campo de refugiados chineses, chuta uma mulher tradicionalmente vestida com a roupa de sua tribo (do título). Mas a violência do Estado acaba aqui. Após esta breve cena, funcionários e soldados tornam-se quase ausentes para mostrar que, forçados pelas autoridades chinesas a voltar para Kokang, em Mianmar, os indivíduos “Ta’Ang” são completamente assimilados por suas culturas hospedeiras, com camisetas, celulares e outros enfeites que os descaracterizam.
Eles continuam pessoas de fora, no entanto, e Wang vai narrando sua lenta viagem de volta. Embora não haja muita viagem, na verdade: a maior parte do filme é dedicada a representar os refugiados sendo presos em uma terra estranha, com apoio e recursos mínimos. Depois de um breve passeio de caminhão, eles acabam em uma cidade pequena, compram alguns suprimentos e montam um acampamento ao ar livre.
Quando Wang finalmente corta para longe deste primeiro grupo, ele segue outro grupo que parou de se mover no meio de uma estrada enlameada depois de ouvir tiros e explosões à distância. Mais uma vez, Wang consegue refletir a complexa composição social e psicológica destes refugiados: uma mulher usa um chapéu floral, jeans e tênis, enquanto um homem caminha carregando um guarda-chuva amarelo bastante pitoresco em uma mão e um facão de um metro em outra.
Colocando sempre à frente os seus pensamentos sobre o passado e o presente de seu país, Wang não se limita apenas a fazer um filme com mensagem, há toda uma preocupação estética que vai além do comentário social. Em “Ta’Ang” o olho do diretor vai para justaposições visuais intrigantes juntamente com uma iluminação natural incrível (as cenas ao pé da lareira mostram lindamente os contornos robustos dos refugiados cansados).
“Ta’Ang” vai fundo para se aprofundar na situação desses refugiados, compreendendo e tendo empatia com pessoas cujas vidas são moldadas por circunstâncias tão complicadas e que vão muito além do controle do espectador.