Steven Soderbergh entrega em Traffic: Ninguém Sai Limpo um estudo denso e intrincado sobre o impacto do tráfico de drogas em diferentes esferas da sociedade. Inspirado na minissérie britânica Traffik, o filme mantém a essência temática do material original enquanto atualiza o cenário para os Estados Unidos e México, trocando a heroína pelo mercado de cocaína. O resultado é uma obra provocativa que explora com profundidade o alcance e as consequências desse submundo.
A narrativa é estruturada em múltiplos arcos que seguem personagens de contextos distintos. Desde um policial mexicano preso em uma teia de corrupção até um juiz americano cuja filha luta contra o vício, as histórias se entrelaçam apenas de forma tangencial, refletindo a vastidão e complexidade do problema. Essa abordagem fragmentada e não convencional evita conclusões fáceis, optando por uma visão caleidoscópica que destaca os desafios estruturais do combate às drogas.
Benicio Del Toro se destaca como Javier Rodriguez, um policial mexicano que busca navegar o perigoso equilíbrio entre dois cartéis rivais. Sua atuação é uma aula de sutileza, retratando um homem que, apesar de seus compromissos questionáveis, mantém um código de moralidade pessoal. Michael Douglas também impressiona como o juiz Robert Wakefield, cuja postura rígida contra as drogas é abalada ao confrontar a devastação em sua própria família.
Erika Christensen é uma revelação como Caroline, a filha viciada de Wakefield. Sua interpretação comove ao mostrar como o vício consome uma jovem promissora, evidenciando o impacto devastador das drogas. Catherine Zeta-Jones, por outro lado, surpreende ao interpretar Helena Ayala, uma mulher forçada a assumir o comando do império de drogas do marido. Embora sua personagem não tenha o mesmo destaque emocional, Zeta-Jones entrega uma performance competente e convincente.
Soderbergh utiliza uma abordagem visual inovadora para distinguir os diferentes cenários e narrativas. Filtros de cor e estilos de filmagem conferem uma identidade visual única a cada local: tons azulados para as cenas em Cincinnati, uma paleta neutra para San Diego e um estilo desbotado e cru para o México. Essas escolhas não apenas orientam o espectador, mas também amplificam o peso emocional de cada ambiente.
Embora o filme seja rico em conteúdo, seu ritmo acelerado deixa a desejar em alguns momentos. Com uma duração de quase 2h30, certas transições parecem abruptas, e algumas motivações de personagens poderiam ser mais bem desenvolvidas com um tempo adicional. Apesar disso, o roteiro oferece um retrato fascinante e envolvente do tráfico de drogas como um sistema global interconectado.
Traffic: Ninguém Sai Limpo é mais do que um simples drama sobre drogas. É uma análise poderosa e multifacetada de como essa indústria ilegal afeta vidas de maneiras profundamente diferentes. Com personagens complexos, uma narrativa habilmente elaborada e performances marcantes, Soderbergh entrega um filme que, sem pregar, desafia o público a refletir sobre os efeitos devastadores do tráfico em nossa sociedade.