Um Homem Chamado Ove

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"Um Homem Chamado Ove" é o tipo de filme que propõe uma construção diante do espectador

Na última década, a literatura nórdica vem conquistando editoras e leitores do mundo todo. Com um estilo que fica entre a simplicidade do cotidiano, a sinceridade crua e o humor ácido, autores como Karl Öve Knausgärd e Stieg Larsson não deixam mentir sobre o assunto, são fenômenos de venda. O cinema não perde tempo e traduz essas obras para as telas, assim foi com Um Homem Chamado Ove, escrito por Frederick Backman e dirigido por Hannes Holm. O filme concorre ao Oscar 2017 nas categorias de melhor filme estrangeiro e maquiagem.

A história do idoso Ove (Rolf Lassgård/Filip Berg e Viktor Baagøe) pode ser a história de qualquer vizinho rabugento, que parece ter tempo demais para observar e reclamar. Mas a história desse sueco é contada por uma perspectiva a fim do espectador criar uma empatia com ele e não apenas julgá-lo pelo seu mau humor. Ove perdeu a esposa Sonja (Ida Engvoll) há seis meses e vive há décadas em um condomínio fechado onde todos os dias faz uma vistoria para ver se tudo está sob controle. É engenheiro aposentado mas faz questão de ainda trabalhar, uma das poucas coisas que ainda o mantém com a mente sã. Mas, ao ser descartado pela empresa – que oferece umas férias ao homem – ele sente que sozinho e sem a esposa, não tem muitas motivações para viver. Ove decide queo suicídio é a melhor solução e a cada vez que a morte parece espreitar a sua porta alguém, ou alguma situação, acontece na vizinhança.

Cada pessoa é um universo formado por inúmeras transformações e tem um histórico que, mesmo que não seja de apenas evoluções positivas, é o formador da identidade de cada um. A cada vez que Ove vai estudando formas de se matar, alguma lembrança histórica passa pela sua memória e assim vamos sabendo quem foram ele e Sonja e sua história juntos. Levand ao pé da letra a ideia de que um filme passa pela cabeça da pessoa em seus últimos segundos, as peculiaridades banais do casal Ove e Sonja são mostradas na tela, sempre com um tom divertido ao estilo nórdico, algo entre a ironia e a sátira.

Um dos problemas de Um Homem Chamado Ove é que no desenvolvimento das lembranças do idoso, o que se perde é a memória mais recente sobre Sonja que, aparentemente, ocupa apenas o espaço da juventude e as primeiras descobertas adultas de Ove. Como se depois de um determinado momento e situação as coisas parassem de acontecer na vida do casal e tudo se tornasse corriqueiro. Mesmo que o foco seja no viúvo e na suas peculiaridades de temperamento, a personagem da esposa – que é a causa da solidão e tristeza do protagonista – se torna apagada e ganha contornos que forçam a simpatia com o homem e o que ele acreditava que ela era, como boa, engraçada e resiliente. Tudo através de colocações pouco convincentes e mais apelativas ao senso comum.

Um Homem Chamado Ove é o tipo de filme que propõe uma construção diante do espectador, criando empatia ou apenas curiosidade nele. Nenhuma novidade talvez para o cinema americano povoado por Eastwoods, Jack Nicholsons e Woody Allens, mas claro que Ove tem seus pontos que superam os ranzinzas costumeiros do cinema. Um deles é a relação de Ove com a família que se muda para a casa em frente, uma relação que envolve empatia e alteridade, como se tudo que o homem precisasse fosse um pouco de convivência e amor fraterno. As cenas entre Ove e a vizinha grávida Pavaneh (Bahar Pars) são divertidos e mostram uma relação recíproca de cuidado e descoberta, no caso de Ove a de um sentimento de pai para uma filha e de um avô encontrando sentidos na figura das filhas da nova amiga.

Mesmo que Um Homem Chamado Ove tenha alguns problemas de estrutura de roteiro – talvez pela tradução intersemiótica de livro para filme, fica difícil fazer certas escolhas – o filme é um retrato é um bom exemplo de como os nórdicos fazem muito bem um cinema mais comercial e ainda assim imprimir a sua marca. No final ficamos com uma sensação de que somos muitos Oves, preocupados com nossas obsessões e problemas particulares que esquecemos de ver a vida que há ao nosso redor, de perceber que nada está fora do lugar.

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