Em Vamos à América, dirigido por Leo McCarey, somos levados a uma jornada cômica e espirituosa sobre as diferenças culturais e o choque de classes, enquanto um mordomo britânico, Marmaduke Ruggles (interpretado por Charles Laughton), é inesperadamente levado ao Velho Oeste americano. A premissa é simples: Ruggles, que servia a uma família aristocrática na Inglaterra, é perdido em uma aposta de pôquer e passa a servir a uma família excêntrica de rancheiros americanos, os Flouds. O filme é uma sátira afiada sobre o conceito de identidade, tanto pessoal quanto nacional, e mostra a habilidade de McCarey em equilibrar humor com uma leve crítica social.
Charles Laughton, em uma das performances consideradas das mais carismáticas de sua carreira, domina o papel de Ruggles com uma mistura de dignidade e surpresa, conforme seu personagem se adapta à liberdade e à informalidade americanas. Ao longo da trama, o rígido e refinado Ruggles se vê mergulhado em situações absurdas e hilárias, enquanto tenta manter a compostura em meio aos costumes descontraídos de seus novos patrões. Um dos momentos mais memoráveis do filme é quando Ruggles, antes um símbolo de sofisticação britânica, é confundido pelos habitantes de Red Gap com um coronel militar, o que gera uma série de mal-entendidos cômicos.
O diretor McCarey aproveita essa confusão para explorar questões mais profundas sobre o “sonho americano” e o que significa ser americano. Ruggles, um estrangeiro relutante, acaba por abraçar essa nova identidade de forma inesperada. Um ponto alto do filme é o momento em que Ruggles recita o Discurso de Gettysburg, um símbolo poderoso de liberdade e igualdade, que representa sua transformação e aceitação dessa nova vida. A cena, que poderia facilmente cair no sentimentalismo, é conduzida com uma leveza que mistura humor e emoção, mostrando como até mesmo um mordomo britânico pode se tornar um ícone dos valores americanos.
Além de Laughton, o elenco de apoio também merece destaque. Mary Boland, como a excêntrica Sra. Floud, entrega uma performance hilária, enquanto Charlie Ruggles, como o Sr. Floud, oferece um contraponto perfeito à seriedade de Marmaduke. O filme brilha com diálogos espirituosos e situações cômicas que criticam gentilmente tanto a rigidez das classes britânicas quanto a informalidade exuberante dos americanos.
Vamos à América é uma comédia inteligente que, além de entreter, convida o público a refletir sobre a natureza da identidade e da assimilação. Através de situações engraçadas e momentos tocantes, o filme mostra como até os mais improváveis personagens podem se reinventar em terras estrangeiras. Em última análise, é uma celebração do espírito americano, de sua capacidade de transformação e de sua aceitação, sem perder de vista o humor e o absurdo da vida cotidiana.