Visages, Villages

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Em “Visages, Villages” Agnès Varda e JR refletem sobre a vida fotografando pessoas comuns pela França

A escritora americana Susan Sontag termina o primeiro ensaio do livro Sobre a Fotografia afirmando que, se no século XIX Mallarmé dizia que tudo existia para terminar em um livro, para ela, no contemporâneo, tudo existiria para terminar em uma imagem. Seja a imagem em fluxo, como no cinema, ou a imagem fatiada, como na fotografia, é esse código visual que preenche e coordena nossas vidas. No documentário Visages, Villages, realizado por Agnès Varda em parceria com o fotógrafo JR, os dois viajam pelo interior da França criando galerias de fotos ao ar livre e pensando a imagem no passado e no presente.

Varda, uma das grandes cineastas do século XX e importante figura da Nouvelle Vague francesa, começou sua carreira como fotógrafa. Em seus filmes a posição dos planos e a luz sempre foram fundamentais, seja fazendo ficção ou documentário – como vem se dedicando nas últimas décadas – a reflexão do instante visual é determinante no seu trabalho. Já JR é um fotógrafo que torna os espaços abertos em galerias. Fotografando pessoas comuns em seus espaços, ele as tira de um anonimato corriqueiro e as potencializa no urbano. Não é tão diferente do trabalho de Agnès como cineasta e em Visages, Villages os dois unem os trabalhos.

No mesmo ensaio citado acima Susan Sontag fala da fotografia como miniaturas da realidade, no trabalho que Agnès e JR fazem, essas pequenas imagens são potencializadas, tornam-se história. Em um dos primeiros lugares que passam, uma vila está prestes a deixar de existir, antes era residência de mineiros que, aos poucos, foi sendo desativada. Uma única moradora insiste em continuar na sua casa, filha desses trabalhadores. Varda e JR espalham fotos gigantes – em formato de lambe – pelas casas já desocupadas e uma imagem da moradora exatamente onde ela vive. Ao final da colagem a vila parece ganhar outra vida com os rostos do passado e do presente. Indo na contramão de algum tipo de imagem agressiva de propaganda, aqui não é apenas a geografia dos espaços que conta a história e sim as pessoas que compõem o ambiente – antes e agora – e se misturam com esse lugar.

As imagens potencializadas pelos dois realizadores durante Visages, Villages são impressas em formato gigante porém em papel simples, não há intenção de eternidade – tão peculiar a ideia da própria fotografia – mas sim a efemeridade do momento em que as pessoas passam pelos lugares, fotografam, fazem selfies e criam novas narrativas para o espaço. A ideia dessas ações nos espaços é de JR, porém Varda não é a diretora que fica atrás da câmera e deixa suas reflexões no olhar e no roteiro, aqui ela coordena a construção do documentário fazendo parte dele. Aos 89 anos, a francesa ocupa a outra ponta da vida, sentando lado a lado com JR. Enquanto ele conversa com as pessoas dos vilarejos, ela mostra fotografias e postais que acumulou ao longo das décadas. Os lugares novos aos olhos de JR remontam o passado de Agnès Varda, fazendo com que o filme não seja apenas sobre a sensibilidade do trabalho do jovem fotógrafo, mas também a construção do olhar da cineasta que já não enxerga biologicamente como antes.

Visages, Villages é o que, também Susan Sontag, chama de a foto como prova da existência. Aqui, Agnès Varda retrata o trabalho potente de um fotógrafo e nesse movimento reflete sobre a própria vida e obra. Apesar do discurso sobre as proximidades dos fins que Varda coloca em alguns momentos do documentário, há uma certeza que sua obra é tudo, menos efêmera. Somos voyeurs constantes desse fluxo de imagens que nos causa interesse pelas coisas exatamente como elas são concebidas pelo olhar da cineasta. O cinema como prova de sua existência.

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